segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Professor "avaliador": o que temos, de fato, avaliado?

   "Esses alunos são esquisitos, alguns são feios mesmo."
   "Moleque burro! Não aprende nem se eu explicar 200 vezes."
  "Já repararam que aquele menino é sujo? Parece que não toma banho..."
   "Tomei uma cantada daquela garota do 8° ano que me deixou sem graça."
   O professor que está na escola e que nunca ouviu ou disse uma das frases acima que atire a primeira pedra ou pare de ler este post.
  Não tem jeito. Julgamos nossos alunos o tempo todo. E este julgamento é indicador não apenas da natureza humana do professor mas, sobretudo, do pano de fundo ideológico que sustenta a prática pedagógica. 
   Avaliamos nosso aluno, sua postura, seu jeito, seu linguajar, o estado de suas roupas, seus dentes, o modo de se sentar, se tem celular ou iPhone e por aí vai... Não avaliamos apenas seu conhecimento, se ele aprendeu ou não o conteúdo dado em aula. A ilusão de que uma prova, um teste ou um trabalho "medem" a aprendizagem da forma mais idônea possível atravessa o tempo todo o cotidiano do professor, mesmo daquele que "sabe" que avaliar não é um ato objetivo.
   Isso que estou escrevendo aqui não é algo inovador ou pioneiro. Lá nos idos de 1999, na minha graduação, já discutíamos essa questão baseados em textos de Maria Teresa Esteban e Cipriano Carlos Luckesi (datados daquela década). Foi fundamental para minha atuação como professora de ensino fundamental ter realizado tais leituras e os debates fomentados na disciplina de Didática Especial. 
   Mas... 
  Quando entramos em sala de aula a realidade é, às vezes, cruel. E na sala dos professores, então? 
   Não nos damos conta quando pensamos ou comentamos com um colega alguma coisa parecida com aquelas frases que citei lá no início. Esquecemo-nos completamente que somos ensinadores de conteúdos mas somos, antes de tudo, formadores de caráter e de valores. Não há como ser incoerente e pronunciar um discurso progressista e exercer uma prática opressora.
   Por que será que aquele aluno(a) chegou na escola com o uniforme sujo e amassado? Por que ele(a) tem problemas de aprendizagem? Por que aquele(a) aluno(a) com apenas 14 anos sentiu-se encorajado(a) a flertar com o(a) professor(a)? Em que realidade social esses alunos/essas alunas vivem?
   Sempre que (re)leio os Parâmetros Curriculares Nacionais deparo-me com o slogan da "formação para a cidadania". Sem querer entrar no mérito do que seria esta "cidadania", mas será que quando eu avalio (tacitamente) meus alunos eu estou contribuindo para tal formação? Será que eu reflito sobre as questões que coloquei anteriormente? 
   Na rotina avassaladora de cumprimento de programas curriculares e preparação para avaliações as mais diversas a questão dos valores acaba sendo secundária e fica implícita em nossa prática. E aí, onde fica a tal cidadania?
   Esta reflexão está longe de ser restrita a professores de ciências. Todos nós professores, em qualquer nível de ensino, somos formadores de opiniões, de caráter e de valores. Porém, tenho percebido que o professor de ciências acaba se aproximando de questões pessoais dos alunos e várias vezes quando ensinamos conteúdos como corpo humano, ecologia e evolução tocamos no íntimo do(a) aluno(a) e ele(a) passa a se perguntar - e, com certa frequência, acabam nos perguntando - por que o corpo dele(a) é daquele jeito, por que sua rua tem falta constante de água, por que ele ouviu na igreja que descendemos de Adão e Eva. Neste momento, não lidamos apenas com questões científicas. E, muitas vezes, quando eles se posicionam acabamos impondo nosso ponto de vista e "avaliando" como sendo "incorreta" e até mesmo debochando sobre algumas de suas observações.
   Esta tênue linha entre o que ensinamos e como avaliamos perpassa o tempo todo o cotidiano da sala de aula. 
  Todos nós, professores, em algum momento avaliamos de forma depreciativa algum(a) aluno(a); se oralizamos ou não esta é outra questão. Mas também acredito que este seja mais um aprendizado que o professor pode/deve elaborar no decorrer de sua  atuação no magistério. Somos humanos, sim. Erramos. Porém, não podemos nos eximir jamais de nossa responsabilidade enquanto formadores de outros seres humanos.

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