sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Dos corredores a algumas constatações sobre a formação universitária

Converso bastante com meus alunos e ex-alunos de maneira informal. Gosto de estar com eles, ouvir o que eles têm a me dizer sobre o que estão vivendo na universidade e permito-me sentar no banco do corredor ao lado deles para, nestes momentos descontraídos, sermos além de professora e alunos: sermos gente.
E nessas conversas eu escuto queixas e elogios a outros professores, disciplinas consideradas difíceis ou chatas, colegas que não são comprometidos com o estudo, entre outros assuntos mais "polêmicos" como, por exemplo, o consumo de drogas.
O que tenho percebido desta geração de futuros professores de ciências é o desenvolvimento de uma criticidade, exatamente no sentido que Freire colocou: "(...) uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil"(1). E não estou aqui detendo-me às "fofocas de bastidores". O que sinto, neste ambiente informal, é a presença de vários questionamentos sobre sua própria formação inicial e várias de suas experiências na instituição universitária que também é integrante do sistema educacional no qual eles virão atuar em poucos semestres. 
Assim como nós professores, os alunos/licenciandos também estão cansados. (E muitas vezes, confusos!). Não conseguem entender as relações entre disciplinas oferecidas por diferentes departamentos (às vezes, até do mesmo departamento) e sentem que estão lendo demais, ouvindo demais, porém pensando e vivenciando pouco o cotidiano escolar. Em um grupo de discussão no Facebook um colega professor indicou esta reportagem (leia aqui) que me fez refletir sobre a sobrecarga de disciplinas que nossos alunos têm na universidade e observar, nas tais conversas informais, indícios desse desgaste.
Abrindo um parênteses para fazer uma auto-crítica. Eu mesma cobro a leitura de muitos textos em todas as disciplinas que ministro, e acredito que faz parte da formação deles - enquanto futuros professores - desenvolverem justamente uma leitura crítica acerca dos diferentes temas relacionados à educação em ciências. 
Acontece que nossos alunos não estão conseguindo, em vários momentos de sua formação inicial, juntar as pontas, fazer os "links" entre os inúmeros conteúdos com os quais são bombardeados todos os dias nas aulas. Por outro lado, e de uma forma dialética encantadora, estes mesmos alunos estão desenvolvendo sua curiosidade (epistemológica), que vem permitindo-lhes questionar porque determinados saberes são valorizados na universidade; e já começam a se perguntar sobre àqueles que devem estar, ou não, presentes em suas aulas lá na escola.
Certamente que para mim, que me considero apenas mais uma educadora que pretende formar, junto com meus colegas, professores conscientes de seu inacabamento e não meras marionetes que seguem currículos mínimos e dizem amém aos livros didáticos, é muito gratificante perceber o amadurecimento intelectual destes jovens. E esta semana, relendo alguns textos do Paulo Freire, deparei-me com uma de suas elaborações filosóficas que sintetizam, de certo modo, o que quis destacar neste post: 
"O pensar certo sabe, por exemplo, que não é partir dele como um dado dado, que se conforma a prática docente crítica, mas também que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, "desarmada", indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador" (2).
Prefiro acreditar que, apesar de tantos percalços, estamos no caminho certo.

(1) FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 32.
(2) Idem, p. 38.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Os resultados das pesquisas e ensino de ciências: indo além das "boas intenções"

Estive recentemente no maior congresso nacional de minha área de atuação profissional, o IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, e tive a oportunidade de ter contato com produções recentes que de alguma forma sinalizam o caminho que estamos tomando, especialmente no pilar universitário “pesquisa”. Não tenho condição de fazer qualquer análise mais aprofundada dos trabalhos apresentados – uma vez que suas atas ainda não foram divulgadas – e tampouco acho que me proporei a fazer uma revisão minuciosa quando estas sejam publicadas. Por ora, gostaria de destacar apenas um ponto.
Ele está relacionado à própria temática do encontro (“A Pesquisa em Educação em Ciências e seus Impactos em Sala de Aula") que, por sinal, não poderia ser mais propícia ao que tenho colocado aqui no Blog em alguns posts e, especificamente a movimentos de docentes de diferentes níveis de ensino que vimos observando em nosso país ao longo deste ano. Ocorreram três mesas nas quais pesquisadores nacionais e internacionais debateram sobre o assunto. Sim, é acalentador ouvir de referências da área que a melhor saída não é ditar ou prescrever ao professor da educação básica “soluções mágicas” a serem adotadas para a melhoria do ensino. Que não se trata de “levar o conhecimento científico” produzido em nossas pesquisas àqueles que “apenas” dedicam-se ao ensino, pois se trata de envolvê-los e fazê-los cada vez mais participar deste processo de “produção científica” em uma relação simétrica de parceira.  Eu mesma, recentemente, tive um projeto de pesquisa aprovado no CNPq que pretende ter o professor não apenas como sujeito mas também como analista ao longo de todo o processo de desenvolvimento da pesquisa.
No entanto, eu gostaria de compartilhar algo que muito me incomoda e que, particularmente, durante as manifestações que tivemos no Rio de Janeiro durante a greve dos professores das redes municipal e estadual deixou-me bastante mobilizada. Não sei até que ponto o discurso já foi incorporado à prática. Ainda me questiono sobre as relações que temos estabelecido com a escola pública em nossas pesquisas. Afinal, estamos também sendo partícipes de um sistema educacional e de pesquisa no qual a quantificação impera e o reconhecimento de nossa intelectualidade passa, obrigatoriamente, pelo número de projetos financiados, alunos de pós-graduação orientados, artigos publicados, participações em bancas, entre outros, cujo processo frequentemente é premiado com bolsas de produtividade. A “cultura do Lattes” é extremamente perversa e coloca-nos, muitas vezes, em posições de adversários.
Parece-me ser tempo (mais do que urgente) de nós, pesquisadores da área das Ciências Humanas ou Sociais Aplicadas, repensarmos nosso lugar de atuação na Educação Brasileira. Talvez em algumas circunstâncias sermos mais “educadores” e menos “pesquisadores em”. Sei que isso não é nada trivial e nem será solucionado de uma hora para a outra.
Certamente que reconheço na própria organização do ENPEC e em debates que vêm acontecendo em diversas universidades e faculdades de educação e de formação de professores (incluindo a minha) como um passo importante. Porém, como mesmo explicitei acima receio continuarmos nessa ciranda meritocrática sem fim na qual estamos sendo submetidos cruelmente no nosso cotidiano educacional.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Alguns comentários sobre o "blá blá blá" dos "entendidos em educação"

Outro dia li em um Blog uma pessoa comentando: ninguém quer ser professor de escola pública. Afinal, são péssimos salários, condições de trabalho horripilantes e alunos cada vez mais indisciplinados. Dias antes havia lido em uma revista de divulgação científica muito conceituada, na coluna de um cientista da área das ciências duras, sua sentença de que os cursos de licenciatura em Ciências Naturais (especificamente Biologia e Química) necessitavam de uma ênfase maior no conteúdo (sobretudo de Física). Alguém poderia palpitar sobre a formação inicial deste cientista? Sim, coincidentemente ele é físico "hard". Hoje vi em alguma postagem no Facebook a opinião de algum colunista ou blogueiro de que os graduandos estão saindo das universidades quase tão semi analfabetos quanto entraram.
Quando me deparo com essas "verdades" que são jogadas na Internet e que vários assumem para si mesmos e propagam por aí, dois pensamentos me ocorrem: o primeiro, tem gente que não é do meio querendo dar pitaco onde não é especialista e acaba falando besteira; e o segundo, não há como desvencilhar a formação inicial dos futuros professores daquela educação básica que eles tiveram nas escolas. Sobre o primeiro pensamento eu não irei me deter, de forma direta. Porém sobre o segundo gostaria de fazer algumas considerações.
Como os cursos de licenciatura são menos visados e a concorrência é pequena (na área das Ciências Naturais a relação candidato vaga é baixa), acabamos tendo quase uma paridade entre alunos oriundos de escolas públicas e escolas particulares. Para não dizerem que estou cuspindo dados, baseio-me no censo deste ano da universidade na qual sou professora (UERJ) para fazer esta afirmação. A UERJ tem suas particularidades (sobretudo por ser pioneira no Estado do Rio de Janeiro no sistema de implantação de cotas) porém acredito que esta estatística possa ser encontrada nas demais universidades. Desta forma, temos universitários que passaram sua vida toda na escola pública, sofreram de todas as suas mazelas e compartilharam de suas qualidades. Neste ponto eu gostaria de focar em algo que não tem relação (direta) com a formação científica destes licenciandos, mas sim com a formação geral, em todas as disciplinas, que eles deixaram de ter na educação básica.
Sinto que os licenciandos não têm tantos problemas com a língua portuguesa. Existem alunos que escrevem "trasmição"? Existem. Mas isso não é crítico, na grande maioria dos casos. Meus alunos sabem se expressar, escrevem de forma coerente e coesa. No entanto, falta-lhes um componente essencial: cultural geral. Eles leram pouco, eles sabem pouquíssimo da história do Brasil, estão pouco antenados com questões políticas e econômicas atuais e, o pior de tudo em minha humilde opinião, não têm capacidade de se colocarem criticamente frente ao que lhes está sendo dito (estou aqui referindo-me especificamente aos alunos do primeiro período, os quais passaram anos na escola sendo "domesticados" e "podados"). Uma escola que não forma pessoas capazes de questionarem todo e qualquer assunto com o qual elas tenham contato não pode ser considerada uma boa escola. Independente de ser pública ou particular. Sinto falta de alunos que olham nos meus olhos e me desafiam. Afinal, o que será do futuro da escola pública se não tivermos professores desafiadores e questionadores do sistema?
Por outro lado, eu tenho sido confortada quando estou com os alunos de períodos mais avançados. Os licenciandos do quinto período, por exemplo, não se convencem tão facilmente. Já têm suas visões de mundo e da docência mais elaboradas e têm me feito pensar, inclusive, sobre aspectos do magistério que eu jamais havia considerado. Ou seja: há esperança.
Não acredito que os licenciandos do curso onde dou aula sairão semi analfabetos, nem linguística, nem politicamente falando. Também não acho que eles precisam saber mais física e mais química. Eles precisam, sim, entender que física e química são fundamentais para a compreensão de fenômenos naturais os quais ao serem ensinados por um professor de biologia deve ser abordados da forma menos compartimentalizada possível. E, finalmente, não acho que nossos futuros professores não atuarão em escolas públicas. Eles estarão lá, fazendo no dia a dia, uma escola pública de qualidade e igualdade, para todos e com todos.