domingo, 19 de outubro de 2014

Mensagem reflexiva para o Dia dos Professores

Este ano acabei não deixando uma mensagem no Dia do Professor. Na verdade, todo professor já passou por um momento em que ele se sentiu extremamente desmotivado e chegou a se questionar se seus ideais realmente viriam a ser alcançados dentro do cenário educacional e político em que ele atua. Pois é. Estava (estou?) vivendo este momento porque a instituição em que eu atuo profissionalmente, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vem passando por um processo de desvalorização completa da atividade docente, de sucateamento do magistério, de desprestígio às ações de extensão e de concentração das atividades de pesquisa nas mãos de poucos iluminados (escolhidos a dedo por sua produtividade).
Trabalhar em um sistema que é regido pela lógica da meritocracia e de total desvirtuação do magistério é cruel. Temos que nos submeter às concepções ideológicas da política de mercado, sem a clareza de qual projeto de Educação, de Universidade e de Escola Básica estamos à mercê. De fato, a estratégia de que sejamos professores e professoras em um país, em estados e em municípios que parecem ser regidos por princípios educacionais bem definidos (afinal, temos uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional desde 1996, temos os Parâmetros Curriculares Nacional, desde 1999/2000 e temos, ainda, os Currículos Mínimos) é apenas uma ilusão do real desvirtuamento da função das instituições de ensino no Brasil. 
Nós, professores e professoras, passamos por um processo de desvalorização e de despolitização desde o início do período da Ditadura Militar. Aquela "rasteira" que levamos com a privação dos nossos direitos mais plenos enquanto cidadãos que deveriam formar outros cidadãos repercute até hoje. Não há como hoje não olhar para o passado, para nossa História, para buscarmos identificar e entender onde paramos, onde retrocedemos e onde avançamos.
Eu não desisti de ser professora universitária da UERJ simplesmente porque acredito que abandoná-la nesse momento é dar as costas a tudo o que acredito. E hoje entendo muito bem porque vários colegas professores da Educação Básica nunca abandonaram suas escolas apesar do péssimo salário, das péssimas condições de trabalho, das agressões (físicas e morais) de alguns alunos, do desrespeito do poder público e do autoritarismo do Estado (por meio de avaliações sistemáticas ou personalizadas nas figuras de seus Secretários e de alguns Diretores).  Nós, professores e professoras, que ainda acreditamos na Educação como instrumento de mudança seguimos firmes. Às vezes, um pouco abalados, outras vezes descrentes. Mas, podem acreditar, dessas crises saímos cada vez mais fortalecidos.
Deixo com vocês, minha mensagem, ainda que atrasada, em homenagem ao Dia dos Professores.

Meus caros colegas, desejo a todos/as que nos momentos difíceis estejamos ainda mais unidos. Porque a mudança deste país, em busca da igualdade social e da democracia plena, passa obrigatoriamente por nossas ações cotidianas. O dia do/a professor/a se comemora hoje mas sabemos que nossa luta é diária. Parabéns a todos/as que fazem do magistério uma profissão digna. Concluo com uma frase do Darcy Ribeiro que traduz em muito minhas últimas reflexões.
(Tatiana Galieta - 15/10/2014)

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Extensão: escola e universidade como parceria possível?

A extensão na Universidade tem sido considerada pela comunidade acadêmica quase que como um "fardo" a ser cumprido. Dificilmente, projetos de extensão recebem fomento; quando muito apenas bolsas são disponibilizadas aos graduandos envolvidos. Tive a sorte de trabalhar em uma faculdade e, mais especificamente, em um departamento que valoriza a extensão e tenho um projeto que a muito custo está se desenvolvendo. A dificuldade tem se dado por vários motivos: 1) a resistência da própria universidade em dialogar com a escola. No meu caso, coordeno um projeto que propôs inicialmente a recepção de alunos de escolas públicas na biblioteca da universidade. Porém, apesar da biblioteca possuir uma sala equipada, um espaço para receber os alunos da educação básica, a responsável pela mesma me disse que aquele não era o ambiente adequado para "alunos agitados que poderiam não contribuir para a harmonia do ambiente". Pois é... 2) A resistência da própria escola em estabelecer parcerias efetivas com a universidade. Eu e a bolsista de extensão buscamos várias escolas para tentarmos oferecer nossa oficina. Os obstáculos encontrados foram os mais diversos, desde a não permissão da entrada da aluna da graduação na escola até a evidente "picuinha" que existia entre direção escolar e secretaria de educação que apenas tornavam ainda mais burocrática a ida dos alunos à universidade. 3) A minha própria dedicação ao projeto de extensão. Como este é um projeto que apenas está cadastrado no departamento de extensão da universidade, não recebendo qualquer tipo de fomento além da bolsa, eu certamente me vi acomodada em deixar o tempo passar e não ter prazos firmes (como, por exemplo, a prestação de contas a uma agência) a atender.  4) O longo período de greves pelo qual as escolas públicas municipais e estaduais de São Gonçalo e Rio de Janeiro, especificamente, passaram nos últimos quase dois anos. O calendário das escolas, além de tudo, não coincidia com o da minha universidade que, por sua vez, também ainda está em ajuste por conta de uma greve e do recesso da Copa do Mundo.
Citei apenas quatro pontos, mas acredito que dentro de cada um deles resida uma problemática que poderia servir de discussão para vários outros posts. Infelizmente, a parceria desejável entre escola e universidade tão preconizada pelo discurso da Extensão Universitária está distante de ser efetivada.
Gosto muito do livro "Extensão ou Comunicação", de Paulo Freire, e me baseie nele para escrever um projeto de pesquisa que tem como pano de fundo os diversos projetos de extensão do meu departamento. Acredito, fielmente, que nós acadêmicos não somos os "detentores de conhecimento" e que levaremos junto com nossa imensa caridade a luz aos oprimidos. Penso que a troca é fundamental, até mesmo para nós pesquisadores não perdermos o contato com a escola - cenário de nossas pesquisas acadêmicas - e devolvermos a ela propostas de soluções viáveis para seus reais problemas.
Meu projeto de extensão apenas começa a ganhar vida quase um ano e meio após ter sido proposto e já percebo que aquilo que idealizei pouco tem a ver com o que os alunos e professores de ciências necessitam neste momento. Ajustes terão, certamente, que ser feitos. E novas ideias têm surgido conforme o aprendizado.

terça-feira, 20 de maio de 2014

A alienação da produtividade acadêmica

Semana passada estive no IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências, da Saúde e do Ambiente (ENECiências) na UFF. Dentre todas as atividades, gostaria de comentar uma em específico. Uma mesa redonda com a participação dos Profs. Luís Carlos de Menezes e Demétrio Delizoicov sobre "Pesquisa no Ensino de Ciências". Nela, os professores apontaram a necessidade de nossas pesquisas voltarem-se para a realidade da educação básica em diferentes contextos formativos: na educação no campo, na educação indígena, na EJA e na escola básica. Na ocasião fiz uma pergunta sobre como nós, pesquisadores acadêmicos, atendermos às reais demandas da educação brasileira - de modo a contribuirmos para sua melhoria, fazendo com que nossos resultados cheguem e impactem, de fato, o ensino - levando em consideração às condições de trabalho as quais estamos submetidos. As respostas foram interessantes e estão repercutindo até agora em mim.
Sou professora universitária há oito anos somente. Mas a sensação que tenho é de estar no sistema há 30 anos. Tudo bem que somando os anos em que fui aluna de graduação e pós-graduação já teria mais da metade disso. No entanto, quando se está na universidade - do outro lado da sala - acaba-se dando conta de uma dura realidade: a da produtividade desenfreada e cruel da academia. Aqueles que estão na universidade por ideal (e aqui ficarei restrita aos docentes que atuam em cursos de licenciatura), simplesmente porque consideram/consideravam que sua atuação, por meio de suas aulas, suas pesquisas e ações de extensão, seriam suficientes para contribuir para a melhoria do ensino estão sendo atropelados pelo fantasma da produtividade. Eu, particularmente, adoro escrever trabalhos e artigos mas a coisa começa a perder a graça quando você sente que está vivendo em função disso. Eu adoro dar aulas para a graduação, minha prioridade, mas você passa a se frustrar quando percebe que não deu uma boa aula por conta do prazo de um evento que você tem que mandar 10 trabalhos. "Tem" que mandar sim, porque seus alunos de mestrado são bolsistas e têm que prestar contas para o CNPq, seus alunos do PIBID têm que prestar contas à CAPES, seus bolsistas de Iniciação à Docência e de Extensão da UERJ têm que prestar contas ao Cetreina e ao Depext e você, sim, você também, tem que prestar contas!
E, então, entramos na roda-viva da produtividade desenfreada e sem sentido do ponto de vista do objetivo primeiro (que deveria ser, mas já não é em muitos casos) de nossas pesquisas: a melhoria do ensino de ciências e da educação, como um todo.
Como formar professores de qualidade sob estas condições?
Ah! Existem ainda aqueles que apenas se dedicam à pós-graduação, não dão aulas em licenciaturas e fazem pesquisa na Educação, grande área. O que sempre me pergunto é: de que forma esses pesquisadores, que deixaram de ter contato com a sala de aula (tanto da graduação quanto à da escola básica) podem buscar respostas e soluções para os reais problemas do ensino de ciências? O foco passa a ser a publicação de artigos, a ocupação de cargos em associações nacionais e internacionais, participações em bancas, compor corpo editorial de periódico A1, convênios com instituições estrangeiras, convites ilustres para eventos grandiosos (preferencialmente na Europa) e, claro, a bolsa de produtividade!
Você deve estar pensando: quanta hipocrisia da parte desta professora universitária que acaba de solicitar a bolsa do Prociência da UERJ... Exatamente, assumo minha parcela de contribuição na retro-alimentação desse sistema estúpido, cruel e alienante.
No entanto, escrevi esse texto como auto reflexão e, acima de tudo, de renovação de meu voto de compromisso com a educação básica e universitária de qualidade. E tenho certeza que existem vários outros professores que querem a mudança e estão resistindo por ela.


sábado, 19 de abril de 2014

Professores doentes, escolas abandonadas: o que é possível fazer?

Outro dia estava na sala de espera de um consultório médico e ouvi o desabafo de uma professora. Ela dizia que estava doente, que ela prezava muito por seus alunos, que tinha compromisso com a escola em que trabalhava mas que simplesmente não aguentava mais. À medida que ela descrevia suas experiências em sala de aula as quais envolviam casos de alunos desrespeitosos, mal educados e provocadores, ela perdia o fôlego, respirava com dificuldade e as lágrimas corriam pelo seu rosto. Ela comentou já estar afastada das aulas há alguns meses e que, apesar de querer voltar porque gostava muito de sua profissão, só de imaginar ser novamente agredida pelos alunos e seus pais e desautorizada pela própria direção da escola ela perdia as forças. 
No dia seguinte, ainda muito impressionada com este relato, comentei com meus alunos, licenciandos do primeiro período, sobre esta realidade da educação: professores doentes, escolas abandonadas, alunos e alunas completamente desamparados pela família e pelo Estado. É triste ter que admitir para futuros professores de ciências e biologia que este é o cenário de seu local de trabalho, mas acredito que é extremamente necessário falar abertamente sobre isso com eles já que não são apenas salários defasados e falta de reconhecimento da sociedade que faz com que o magistério seja uma carreira pouquíssimo valorizada.
Falei ainda sobre o desabafo daquela professora com um colega que atua na educação básica. Ele me disse que, infelizmente, já havia passado por algo parecido e que ao ser examinado em perícias encontrava na fila de espera com professores em situações de saúde iguais ou muito mais graves que as manifestadas pela professora de meu relato. Ele disse que lá tinham professores que sofreram agressões físicas por parte de alunos, conviviam com alunos que iam para aula armados, comercializavam drogas e eram constantemente ameaçados. Aí eu pergunto: há o que se fazer nessas condições? Como ensinar qualquer tipo de conhecimento, aquele conteúdo lá do currículo mínimo, falar sobre ciência em uma escola cuja realidade é esta?
Muito professores não resistem. Deixam o magistério sem sequer pensarem duas vezes após a primeira decepção. Mas outros persistem. E são sobre estes que eu conversei com meus licenciandos recém ingressos no ensino superior.
Após alguns deles terem contado sobre suas próprias experiências, como alunos, em que viram professores serem agredidos por seus próprios colegas de classe e concluírem que a solução não está na expulsão de sala ou na reprovação de ano, tentei encontrar respostas para compreender o problema em si. No entanto, em pouco minutos de nossa aula, eu tentei expor que a natureza deste problema é muito complexa envolvendo a desvalorização da educação, a ausência de políticas públicas nacionais e regionais, a alienação da população como um todo que já não identifica na escola uma parceira na formação de valores de suas crianças e adolescentes.  
O que ainda acredito é que o professor tem a faca e o queijo na mão para fazer a mudança. A construção de uma sociedade diferente, mais justa e igual, passa por suas ações. Sigo pensando que o professor que olha nos olhos de seus alunos, que conhece e entende a realidade daquela comunidade em que ele leciona e que se permite envolver nesse contexto é aquele que fará a diferença. Para tanto, ele precisa antes de tudo querer. E, às vezes, querer não é suficiente porque a realidade é cruel. Por isso, de qualquer modo, quero deixar aqui minha solidariedade e meu total e irrestrito respeito a todos/as professores/as que sofrem por não conseguirem exercer sua profissão de forma segura e que estão adoecendo e abandonando o magistério simplesmente por não aguentarem mais. 

domingo, 9 de março de 2014

Entre garis e professores: o que temos em comum?

Quem mora na cidade do Rio de Janeiro viveu e sentiu na pele, ou melhor, pelo nariz, o significado de uma mobilização da classe trabalhadora, neste caso os garis. Após oito dias de greve e chantagens por parte do Prefeito e da falta de representatividade de seu próprio sindicato, os garis conseguiram seu reajuste e demais reivindicações. Por que estou escrevendo sobre isso em um Blog sobre Ensino de Ciências? Porque li no Facebook, no Grupo "Professores do Estado do RJ" o seguinte post de um professor:
"Novo salário-base dos Garis: R$1100,00...meu vencimento (P1 nível 4): 1211,79. Sem mais...".
Ao ler esta frase, que contrastava com o que eu acompanhei nas páginas de vários colegas professores da educação básica e de universidades públicas de todo o país, além de amigos pessoais das mais diversas atuações profissionais que demonstraram seu apoio incondicional à luta dos garis, perguntei-me: o que motivou este professor a realizar esta comparação?
Busco algumas respostas - e conto com a participação (mental ou externalizada dos que quiserem aqui se manifestar) - para esta pergunta expondo apenas dois pontos de vista pessoais:
1) Este professor parece centrar a questão dos movimentos de luta de classes trabalhadoras no aspecto meramente econômico. Este ponto foi bastante enfatizado (pela mídia e pelos próprios governantes) no último movimento grevista dos profissionais da educação da cidade e do estado do Rio de Janeiro no ano passado. Porém, a pauta posta à mesa para discussão pelos professores ia muito além do piso salarial. Ela perpassava questões da ordem de condições de trabalho (para estes e seu alunado), de reconhecimento do mérito da progressão de carreira, do questionamento da meritocracia e da própria valorização da Educação pelo Estado. No caso específico dos garis, profissionais responsáveis pela limpeza de nossa cidade (cidade esta que acaba de lançar há poucos meses uma campanha de "Lixo Zero"), o movimento grevista também não estava centrado meramente no aumento do salário. É claro que este era um ponto central porque estes profissionais estavam sem reajuste há anos com um piso de miséria (cerca de R$800 sem os descontos). Mas havia outras bandeiras, como o aumento do vale alimentação e as tais condições de trabalho que no caso dos garis, convenhamos, são sempre as piores possíveis.
2) Este professor parece estar comparando o "valor" do trabalho de um gari (braçal) e de um professor (intelectual). Afinal, quem é gari? Quem é professor? Qualquer um pode ser (ou quer ser) gari? Qualquer um pode ser (ou quer ser) professor? Não sou gari, sou professora e sou professora por opção. Porque amo o papel de educadora, de formadora de opiniões e de futuros professores da educação básica. Porque acredito que meu trabalho é fundamental para a transformação desta sociedade ainda repressora e pouco democrática. Acredito que a maioria dos garis encarem seu trabalho com seriedade e sentem orgulho de sua profissão. Lembro-me que quando morava no Catumbi, bairro do centro do Rio de Janeiro, passei pelo Sambódromo em um dia em que estava acontecendo as inscrições para a seleção da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) e vi um mar de pessoas. A fila parecia interminável. Então perguntei-me: será que esse povo todo quer ser gari porque não tem opção? Será que este é o único emprego que exige segundo grau completo que seja "fácil" de ser conquistado? Acredito que algumas pessoas estavam lá sim, por desespero, por falta de oportunidade em sua formação profissional específica etc. No entanto, acho que uma parcela daquelas pessoas estavam ali porque não tinham qualquer tipo de preconceito em exercer uma atividade laboral "braçal", atividade esta essencial para manutenção da ordem, da higiene e do funcionamento de uma cidade. Por outro lado, outra imagem que tem circulado no Facebook faz-nos refletir sobre quem são os sujeitos que ocupam o lugar social de "garis" (abaixo).
Acredito que essa reflexão passa por um questionamento mais amplo que diz respeito a própria forma pela qual nossa atual sociedade brasileira, burguesa, pós-moderna e neoliberal encontra-se organizada. Quem e por que está em determinada posição e, portanto, "tem" (logo, "é") alguém nesta sociedade. E, não adianta (re)negar nosso papel de educadores (sendo professores de Ciências sim!) que abrem as portas de nossas salas de aula para esta reflexão e as mentes de nossos alunos e nossas alunas, cidadãos e cidadãs de hoje e de amanhã. Não sejamos omissos.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Em tempos de Copa, quem manda na Educação?

A pergunta título deste post surge quando, em um contexto concreto de trabalho, deparo-me com um calendário acadêmico no qual teremos uma "parada estratégica" para a Copa do Mundo de Futebol, marcada como um "recesso". Não, não são férias. É um recesso mesmo. Tudo bem que a universidade onde trabalho está em uma das cidades sedes da Copa, no Rio de Janeiro, e que receberemos turistas e a segurança dessas pessoas precisa ser garantida. O outro lado da questão - o mais importante ao meu ver - é o que significa realmente este período em que teremos um dos maiores eventos esportivos do mundo em nosso país para a população local. Não entrarei nem no mérito da realização da Copa aqui no Brasil porque considero que não há como esta decisão ser revista e tampouco acho que ela deixará de acontecer por mais manifestações públicas ou em redes sociais ocorram. Também não quero discutir o "legado" da Copa para o país e os habitantes das cidades sedes porque fugirá do meu tema inicial. 
Minha questão é mais concreta: o que significa, para a nossa Educação, termos uma Copa do Mundo? Tento responder a ela focalizando apenas um aspecto: o político. Ano passado, aqui mesmo no Rio de Janeiro, tivemos greve das redes municipal e estadual na qual os professores estiveram na luta por seus direitos (fosse em atos nas ruas ou dentro de suas próprias escolas) que durou meses. Os professores foram tratados com total desrespeito pelos políticos (não quero sequer mencionar outro segmento de trabalhadores que atacaram covardemente os professores porque acredito que esta questão também é política e ainda mais profunda) que não os receberam durante a maior parte deste tempo sequer para uma única reunião com os sindicatos. Estes mesmos políticos, amparados pela mídia, buscaram a sensibilização de pais e mães de alunos das escolas públicas, bem como da sociedade em geral, no sentido de mostrar que os maiores prejudicados com a greve eram os próprios alunos. Sinceramente, para mim, este tiro saiu pela culatra porque acompanhei por fotos e relatos em redes sociais o apoio que a comunidade escolar estava dando à classe dos professores.
Bom, mas por que eu voltei lá em setembro de 2013 para responder minha questão inicial. Neste ano, as escolas das redes terão o tal recesso devido à Copa do Mundo e ninguém (do Governo) vem à televisão chorar a perda de dias letivos?! Hoje fico com a sensação de que ninguém manda na Educação. Ou melhor: ninguém quer parecer mandar. Nosso Plano Nacional de Educação já virou uma falácia há anos. Do nosso antigo Ministro da Educação - que de educador nada tinha - e agora do atual nunca pudemos ouvir sequer uma declaração coerente e prudente com relação à educação pública brasileira. E os secretários regionais cada vez nos assustam mais com suas soluções meritocráticas e tecnocratas que em nada auxiliam na reorganização do ensino básico. 
A política educacional do Brasil está tão abandonada que esta falsa sensação de que ninguém manda é muito perigosa. Porque quando não se sabe bem de onde vêm as decisões perdemos o foco em uma possível reação. E, convenhamos, esta estratégia é brilhante! Porém (sempre há um porém), a classe dos professores já está calejada. E, por isso, acho que não devemos perder o foco (como, por exemplo, achar que se o Brasil perder a Copa tudo ficará "bem") e seguirmos em vigilância. No dia a dia, em cada uma de nossas salas de aula, na formação política de nossos alunos. Mesmo que nas aulas de ciências. E como não? Ou senão como haverá transformação de outra forma?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Autoavaliação: quando aluno e professor se encontram

Tenho o hábito de incorporar em minhas provas, geralmente a última do semestre, uma questão autoavaliativa na qual o aluno possa refletir sobre aspectos relacionados à sua aprendizagem (tanto conhecimentos adquiridos quanto eventuais dificuldades ou facilidades frente a determinados conteúdos e abordagens) e às possíveis contribuições que a disciplina trouxe para sua futura atuação como professor de Ciências e Biologia.
Para mim, ler as respostas dos alunos é sempre um momento prazeroso e emocionante. No primeiro período (em Laboratório do Ensino I), consigo perceber a evolução da concepção deles sobre o magistério e muitos daqueles (aliás, quase sempre a maioria) que não pretendiam ser professores passam a se colocar neste lugar e assumem tal postura em seus discursos. Também percebo um grande avanço em suas posturas antes ingênuas e pouco reflexivas - afinal, eles vieram de escolas que não os faziam pensar sobre saúde, ambiente e sexualidade relacionando-os com questões sociais e políticas - e que agora começam a despertar para um olhar crítico e questionador.
Já no quinto período, na disciplina de Metodologia do Ensino, os licenciandos já passaram por diversas disciplinas e têm mais clareza daquilo que pretendem ser e fazer em sala de aula quando se formarem. No entanto, este semestre me surpreendi com a maturidade de vários deles. E não estou falando de maturidade porque são mais velhos do que os alunos do primeiro período, refiro-me à maturidade acadêmica que vem sendo construída desde o início do curso. Esta turma participava ativamente das discussões em sala de aula e fora dela (já que fizemos uma delas via Internet) e com eles eu consegui perceber o que estava "funcionando" naquela disciplina e o que precisa (ainda) ser ajustado.
Nesse sentido, as respostas das autoavaliações são mais do que motivadoras e satisfatórias, uma vez que percebo que o meu trabalho está na direção correta (ou em acordo com os meus próprios princípios e filosofia educacionais). Elas são também um retorno concreto que possuo para repensar o uso de um ou outro texto na disciplina, sua forma de organização e as metodologias que tenho utilizado para guia-la.
Tenho notado que este momento é fundamental para que o nosso encontro, que se deu uma vez por semana ao longo de quatro meses presencialmente, se efetive. É quando o aluno escreve o que ele sente, analisa sua aprendizagem e o meu trabalho como professora sem pudor ou receio. Portanto, venho reafirmando a mim mesma e expondo aos meus alunos futuros professores a importância da autoavaliação criteriosa em nossas salas de aula. Afinal, se buscamos uma sociedade democrática de fato ela deve começar em nosso dia a dia, dentro do cotidiano da escola ou da universidade.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Considerações sobre a Educação Brasileira em 2013 e expectativas para o próximo ano

Neste último post do ano de 2013 gostaria de agradecer ao acesso de todos ao Blog e também àqueles que acompanham nossa Fanpage no Facebook (https://www.facebook.com/ecnaescola) e destacar dois pontos que foram mencionados ou aqui em meus comentários ou estiveram presentes nas notícias em destaque aqui ao lado, na aba direita.
O primeiro diz respeito à opção pelo magistério, às ações relacionadas à formação docente e à responsabilização dos professores pelas mazelas da Educação brasileira. Entendo que estes três aspectos encontram-se completamente imbricados e têm sido foco de um discurso que vem se tornando hegemônico em nossa sociedade, proferido tanto por leigos comuns quanto por leigos que decidem os rumos da Educação de nosso país. Refiro-me à ideia de que professor bom é aquele que "nasceu com o dom", atura qualquer tipo de condição desumana profissional e que foi mal formado e, por isso, o ensino que ele oferece aos seus alunos é de péssima qualidade. Saída imediata? Escolas equipadas com computadores, provas para avaliar o "aprendizado normatizado" dos alunos, currículos mínimos, índices de desenvolvimento da escola com direito a gratificações diretas (no formato de bolsas) aos professores. Minha pergunta leva ao segundo ponto: Afinal, qual a política nacional de Educação brasileira?
Pois bem, venho acompanhando o trâmite do Plano Nacional de Educação que está em um ciclo "iô iô" desde 2010 entre Congresso Nacional e Senado Federal. Não é possível que um país fique anos sem um Plano em vigência. Será que isso não quer dizer nada? Afinal, o ponto que mais gera discórdia no PNE é a quantia (isso mesmo, dinheiro) que será destinado à Educação em seus diferentes níveis. Sinceramente, eu não quero fazer críticas pontuais ao atual Governo porque esta é uma questão histórica, porém não há como fechar os olhos e os ouvidos aos absurdos que o Sr. Ministro da Educação Aloisio Mercadante insiste em dizer por aí.
Não há como falar de Ensino de Ciências sem falar em questões educacionais e políticas mais amplas. Precisamos estar antenados com o que está acontecendo não apenas na nossa área mas em tudo o que tem ocorrido em nosso país e em seus Estados, os quais guardam especificidades impressionantes e, às vezes, inacreditáveis para quem vive na Região Sudeste, meu caso particularmente.
Enfim, espero (não sentada, mas atuando cotidianamente) que o próximo ano seja um ano de avanços para a Educação brasileira. Seja por meio de vias de políticas oficiais, seja pelas vias populares e informais. Os professores, no ano de 2013, deram uma mostra de que não estão "acomodados em suas salas de professores tomando cafezinho" e que querem seriedade já que eles fazem seu trabalho com competência (refiro-me aqui, especificamente, aos professores do Rio de Janeiro que estiveram em greve por meses e lutaram por melhores condições de trabalho em prol de seus alunos).
Que 2014 seja produtivo a todos nós professores e que tenhamos renovada nossa esperança na melhoria da Educação.
Tatiana Galieta. 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Diversidade cultural: a escola e as diferenças

Semana passada estive em uma festa de encerramento de um CIEP no município de São Gonçalo cujo tema era "Diversidade Cultural". Foram apresentados os trabalhos desenvolvidos por professoras e professores ao longo de todo o ano letivo, em aulas de diferentes disciplinas, tanto do ensino fundamental (os dois segmentos) quanto do ensino médio.
O tema foi abordado sob as mais diferentes perspectivas: diversidade étnico-racional, diferenças entre hábitos alimentares e de sotaques das várias regiões do Brasil, divergência entre diferentes paradigmas científicos em um contexto histórico específico (Inquisição), culturas e crenças religiosas. Foram apresentações de crianças, adolescentes e jovens que muito me emocionaram por conta da dedicação de cada um deles mas, principalmente, pelas falas das/dos professoras/es que possuíam uma visão crítica e consciente de seu papel social na formação dos seus alunos.
Os discursos de duas professoras, particularmente, me chamaram a atenção. Uma delas, professora de crianças do 2° ano do ensino fundamental, apresentou como proposta um desfile com diferentes tipos de penteados em crianças com os mais diversos tipos de cabelo e disse: "não precisamos seguir a ditadura da chapinha". Em uma turma, cuja maioria são alunos negros, ter cultivado desde esta idade o ideal de que devemos nos assumir como somos e respeitarmos nós mesmos é um trabalho que exige compromisso com o magistério que visa à formação de pessoas que questionarão os "slogans" da mídia e os modelos de beleza impostos por ela.
Neste mesmo sentido outra professora do primeiro segmento do ensino fundamental disse uma frase que jamais me esquecerei: "Se reconhecer como diferente é poder reconhecer o outro como igual". Na apresentação de seus alunos, ela buscou romper com a dicotomia negro-branco dizendo que somos todos coloridos e distintos e que, por isso, o respeito é fundamental.
Não posso deixar de comentar, ainda, outras duas apresentações dos alunos dos últimos anos do ensino fundamental. Em uma delas, o tema era a Inquisição e os alunos representavam personagens históricas da Ciência relacionadas aos modelos heliocentrista e geocentrista. A encenação permitiu-nos observar a personificação de cientistas e, sobretudo, buscou explorar as relações entre os contextos histórico, cultural e religioso com a legitimação de conhecimentos científicos. A segunda representação teatral deste mesmo grupo de alunos trazia uma família composta por um pai branco, uma mãe negra e uma filha com cor de pele morena que estava buscando a autorização do pai para namorar um rapaz negro. O discurso racista do pai que, apesar de ser casado com uma negra, não admitia que sua filha namorasse com "um rapaz qualquer" foi questionado tanto pela mãe quanto pela adolescente. O interessante é perceber que, apesar do "final feliz", algumas questões ficaram no ar e eu considero isso o mais importante.
Foram tantas apresentações naquela manhã e eu, infelizmente, por questões de espaço e memória não irei descrevê-las. Apenas quero deixar registrado meu contentamento em perceber que nesta escola pública de uma área periférica de um município também marginalizado no estado do Rio de Janeiro está, no seu cotidiano, possibilitando e criando condições para que a diversidade cultural seja algo que deixa de estar tão distante em um eixo transversal dos Parâmetros Curriculares Nacionais e, de fato, seja discutida e posta em ação no espaço escolar.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Dos corredores a algumas constatações sobre a formação universitária

Converso bastante com meus alunos e ex-alunos de maneira informal. Gosto de estar com eles, ouvir o que eles têm a me dizer sobre o que estão vivendo na universidade e permito-me sentar no banco do corredor ao lado deles para, nestes momentos descontraídos, sermos além de professora e alunos: sermos gente.
E nessas conversas eu escuto queixas e elogios a outros professores, disciplinas consideradas difíceis ou chatas, colegas que não são comprometidos com o estudo, entre outros assuntos mais "polêmicos" como, por exemplo, o consumo de drogas.
O que tenho percebido desta geração de futuros professores de ciências é o desenvolvimento de uma criticidade, exatamente no sentido que Freire colocou: "(...) uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil"(1). E não estou aqui detendo-me às "fofocas de bastidores". O que sinto, neste ambiente informal, é a presença de vários questionamentos sobre sua própria formação inicial e várias de suas experiências na instituição universitária que também é integrante do sistema educacional no qual eles virão atuar em poucos semestres. 
Assim como nós professores, os alunos/licenciandos também estão cansados. (E muitas vezes, confusos!). Não conseguem entender as relações entre disciplinas oferecidas por diferentes departamentos (às vezes, até do mesmo departamento) e sentem que estão lendo demais, ouvindo demais, porém pensando e vivenciando pouco o cotidiano escolar. Em um grupo de discussão no Facebook um colega professor indicou esta reportagem (leia aqui) que me fez refletir sobre a sobrecarga de disciplinas que nossos alunos têm na universidade e observar, nas tais conversas informais, indícios desse desgaste.
Abrindo um parênteses para fazer uma auto-crítica. Eu mesma cobro a leitura de muitos textos em todas as disciplinas que ministro, e acredito que faz parte da formação deles - enquanto futuros professores - desenvolverem justamente uma leitura crítica acerca dos diferentes temas relacionados à educação em ciências. 
Acontece que nossos alunos não estão conseguindo, em vários momentos de sua formação inicial, juntar as pontas, fazer os "links" entre os inúmeros conteúdos com os quais são bombardeados todos os dias nas aulas. Por outro lado, e de uma forma dialética encantadora, estes mesmos alunos estão desenvolvendo sua curiosidade (epistemológica), que vem permitindo-lhes questionar porque determinados saberes são valorizados na universidade; e já começam a se perguntar sobre àqueles que devem estar, ou não, presentes em suas aulas lá na escola.
Certamente que para mim, que me considero apenas mais uma educadora que pretende formar, junto com meus colegas, professores conscientes de seu inacabamento e não meras marionetes que seguem currículos mínimos e dizem amém aos livros didáticos, é muito gratificante perceber o amadurecimento intelectual destes jovens. E esta semana, relendo alguns textos do Paulo Freire, deparei-me com uma de suas elaborações filosóficas que sintetizam, de certo modo, o que quis destacar neste post: 
"O pensar certo sabe, por exemplo, que não é partir dele como um dado dado, que se conforma a prática docente crítica, mas também que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, "desarmada", indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador" (2).
Prefiro acreditar que, apesar de tantos percalços, estamos no caminho certo.

(1) FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 32.
(2) Idem, p. 38.