terça-feira, 20 de maio de 2014

A alienação da produtividade acadêmica

Semana passada estive no IV Encontro Nacional de Ensino de Ciências, da Saúde e do Ambiente (ENECiências) na UFF. Dentre todas as atividades, gostaria de comentar uma em específico. Uma mesa redonda com a participação dos Profs. Luís Carlos de Menezes e Demétrio Delizoicov sobre "Pesquisa no Ensino de Ciências". Nela, os professores apontaram a necessidade de nossas pesquisas voltarem-se para a realidade da educação básica em diferentes contextos formativos: na educação no campo, na educação indígena, na EJA e na escola básica. Na ocasião fiz uma pergunta sobre como nós, pesquisadores acadêmicos, atendermos às reais demandas da educação brasileira - de modo a contribuirmos para sua melhoria, fazendo com que nossos resultados cheguem e impactem, de fato, o ensino - levando em consideração às condições de trabalho as quais estamos submetidos. As respostas foram interessantes e estão repercutindo até agora em mim.
Sou professora universitária há oito anos somente. Mas a sensação que tenho é de estar no sistema há 30 anos. Tudo bem que somando os anos em que fui aluna de graduação e pós-graduação já teria mais da metade disso. No entanto, quando se está na universidade - do outro lado da sala - acaba-se dando conta de uma dura realidade: a da produtividade desenfreada e cruel da academia. Aqueles que estão na universidade por ideal (e aqui ficarei restrita aos docentes que atuam em cursos de licenciatura), simplesmente porque consideram/consideravam que sua atuação, por meio de suas aulas, suas pesquisas e ações de extensão, seriam suficientes para contribuir para a melhoria do ensino estão sendo atropelados pelo fantasma da produtividade. Eu, particularmente, adoro escrever trabalhos e artigos mas a coisa começa a perder a graça quando você sente que está vivendo em função disso. Eu adoro dar aulas para a graduação, minha prioridade, mas você passa a se frustrar quando percebe que não deu uma boa aula por conta do prazo de um evento que você tem que mandar 10 trabalhos. "Tem" que mandar sim, porque seus alunos de mestrado são bolsistas e têm que prestar contas para o CNPq, seus alunos do PIBID têm que prestar contas à CAPES, seus bolsistas de Iniciação à Docência e de Extensão da UERJ têm que prestar contas ao Cetreina e ao Depext e você, sim, você também, tem que prestar contas!
E, então, entramos na roda-viva da produtividade desenfreada e sem sentido do ponto de vista do objetivo primeiro (que deveria ser, mas já não é em muitos casos) de nossas pesquisas: a melhoria do ensino de ciências e da educação, como um todo.
Como formar professores de qualidade sob estas condições?
Ah! Existem ainda aqueles que apenas se dedicam à pós-graduação, não dão aulas em licenciaturas e fazem pesquisa na Educação, grande área. O que sempre me pergunto é: de que forma esses pesquisadores, que deixaram de ter contato com a sala de aula (tanto da graduação quanto à da escola básica) podem buscar respostas e soluções para os reais problemas do ensino de ciências? O foco passa a ser a publicação de artigos, a ocupação de cargos em associações nacionais e internacionais, participações em bancas, compor corpo editorial de periódico A1, convênios com instituições estrangeiras, convites ilustres para eventos grandiosos (preferencialmente na Europa) e, claro, a bolsa de produtividade!
Você deve estar pensando: quanta hipocrisia da parte desta professora universitária que acaba de solicitar a bolsa do Prociência da UERJ... Exatamente, assumo minha parcela de contribuição na retro-alimentação desse sistema estúpido, cruel e alienante.
No entanto, escrevi esse texto como auto reflexão e, acima de tudo, de renovação de meu voto de compromisso com a educação básica e universitária de qualidade. E tenho certeza que existem vários outros professores que querem a mudança e estão resistindo por ela.