sexta-feira, 29 de março de 2013

Violência contra o professor: onde vamos parar?

Esta semana li/assisti duas reportagens sobre violência contra professores na escola. Em uma delas, um vídeo, narrava-se a agressão cometida por um adolescente sobre a diretora de sua escola. A mãe do aluno, assim como a própria repórter, faziam questão de enfatizar o "silêncio" da profissional que parecia estar querendo esconder algo enquanto que o aluno estava ali "contando a verdade dos fatos". Na outra, relata-se  uma agressão coletiva na qual os alunos, após terem apagado as luzes, atiraram a lixeira contra a professora.
O que dizer disso tudo já que notícias como essas deixaram de ser novidade há muito tempo?
O que mais choca os profissionais da educação é o descaso da própria família do aluno quando uma agressão ocorre na escola. Os pais, salvo raríssimas exceções, posicionam-se do lado do menor agressor e acabam por inverter a ordem de responsabilidades e deveres da própria criança/adolescente. 
Como não se sentir ameaçado(a) ao entrar em sala de aula e ter que "enfrentar" uma turma que potencialmente pode tudo?
Nessa hora, o professor esquece do planejamento, do currículo mínimo, das avaliações, da construção de conhecimento... (E há como culpabilizá-lo?) Ele apenas sente medo. Medo de, ao chamar a atenção de um aluno e tomar uma cadeirada na cabeça ou até mesmo um tiro. 
São essas as condições de trabalho que os professores das escolas públicas enfrentam diariamente.
Como cobrar produtividade deste profissional, principalmente por meio desses "provões" unificados que os seus próprios alunos realizam, se ele não se sente seguro para sequer dar sua aula?
Covardia. Esse é a palavra que eu considero que melhor define o tratamento dado aos profissionais da educação atualmente. Há cobrança de todos os lados: do governo, das famílias, da sociedade, da academia, entre outras instâncias. E o que tem sido oferecido a esses professores que atuam nas escolas públicas? Críticas, péssimos salários, desrespeito e agressões físicas e verbais cada vez mais frequentes.
Como formadora de professores acabo me questionando o que eu posso dizer para os futuros professores que estão assistindo as minhas aulas de metodologia, didática etc. Não dá para deixar (apenas) para o professor de Sociologia da Educação abordar a questão da violência no trabalho. 
Não dá mais para tolerarmos essa situação em nossas escolas. Caso contrário, onde iremos parar? 

terça-feira, 19 de março de 2013

O professor e o tempo

O tempo é sempre curto. Não sei para os profissionais de outras áreas mas quem trabalha na Educação certamente compartilha dessa minha sensação.
Estamos sempre correndo, de uma sala de aula para outra, de uma pilha de provas para o computador, do planejamento das aulas para as queixas na sala dos professores... Enfim, o tempo já não parece ser suficiente simplesmente para "sermos". Sermos sujeitos que têm direito ao lazer, a estar com sua família e amigos, a um curso de atualização profissional, ao desfrute de um bom livro ou o simples direito ao ócio.
Somos cada vez menos nós mesmos. E, com isso, estamos perdendo nossas próprias identidades. Nossa identidade de professor, de educador, de alguém que quer participar na formação de outras identidades.
A jornada de trabalho a qual nós professores estamos submetidos (e aqui considero todos os níveis de ensino, inclusive o superior no qual atuo e vive uma cobrança cruel por produtividade) é a base para o desgaste de nossa profissão.
Tenho colegas que trabalham em três, quatro escolas diferentes, cada uma em uma região do estado do RJ. Há tempo para "ser"? 
Esses mesmos professores estão submetidos a condições de trabalho absurdas. Como esperar que esses professores deem aulas de qualidade (sendo eles perfeitamente capacitados para tanto) em salas cuja temperatura ultrapassa os 40 oC? 
Nunca fui professora que engrossa o coro dos "acomodados" que apenas fazem reclamar do magistério (da direção da escola, do governo, dos alunos, dos pais dos alunos...) pois prefiro dar minha resposta agindo. Porém, eu compreendo perfeitamente o cansaço que acomete aquele professor que leva seu trabalho a sério, que não fica satisfeito quando oferece seu mínimo, e que respeita seu aluno sempre. Quando esse cansaço bate, junto com ele vem o desânimo, a desesperança, a dúvida. Momentos como este qualquer professor já viveu. Eu já tive alguns. Mas passaram. Logo era recompensada com o carinho de uma turma, o desenvolvimento de um aluno, o resultado de um trabalho.
Porém, o tempo perdido foi perdido. Não volta. 
E sigo me perguntando: quando nos permitiremos termos tempo para sermos aquilo que queremos?

segunda-feira, 11 de março de 2013

Saúde e sexualidade em livros didáticos: temos avançado?


No semestre passado tive a oportunidade de discutir questões relativas à Saúde e Sexualidade em duas turmas (uma da Biologia e outra da Pedagogia). Entre tantos aspectos que surgiram confesso que dois me chamaram a atenção e fizeram com que eu buscasse outras bibliografias: as relações entre saúde e ambiente e saúde e sexualidade ambas apresentadas (em diferentes níveis de profundidade) em livros didáticos. 
O primeiro deles parece ser mais contemplado tanto nas pesquisas da área de Educação em Ciências quanto nas aulas de ciências. Bom, parece. Existe sim já uma vertente de pesquisa que vem se consolidando a partir da promoção do diálogo entre os mais diversos conceitos de Saúde e a questão ambiental tão cara em nossa sociedade contemporânea. Aqui, a perspectiva CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) tem ajudado alguns teóricos a pensarem as relações interdependentes entre essas três esferas adicionando, de forma cada vez mais representativa, a dimensão ambiental que se encontra implicada quando pensamos os impactos científico-tecnológicos - em nosso caso particular, de uma sociedade de consumo - sobre o ambiente. Por outro lado, ao analisar capítulos de livros didáticos de ciências do primeiro e segundo segmentos do ensino fundamental com os licenciandos (apoiados em artigos de pesquisadores da área) observamos que a Saúde continua sendo abordada com aquele enfoque higienista e prescritivo. A discussão envolvendo saúde e ambiente (tangenciando problemas sociais e econômicos) passa ao largo nos livros didáticos. Em certo sentido, nossas conclusões corroboram o que estes autores apontam em suas pesquisas mas ainda nos chocam na medida que os livros estão em discordância tanto com os Parâmetros Curriculares Nacionais quanto com o que os educadores em saúde têm sugerido fortemente nas últimas décadas.
O mesmo ocorreu quando nos deparamos com os conteúdos relacionados à Sexualidade Humana nos livros  de 6° ao 9° ano. Vínhamos de discussões que contemplaram diferentes aspectos da sexualidade que extrapolam os biológicos e contemplam o psicológico, o moral, o social e o cultural. Ao voltarmos nosso olhar para os livros novamente encontramos um enfoque biologicista com detalhamento de funções dos órgãos reprodutores e um "doutrinamento" de posturas que sugerem o uso de preservativos e métodos anticoncepcionais que mais parecem convencer pela imposição da cultura do medo. Com isso, outros tantos assuntos deixam de ser contemplados como, por exemplo, o aborto e a homossexualidade. Nesse sentido, dois momentos na disciplina da Biologia foram relevantes: duas aulas em que os temas relacionados à Sexualidade foram debatidos de forma aberta e franca e outra em que discutimos um artigo (veja aqui) no qual autoras de coleções didáticas expõem o processo de autoria de livros, mais especificamente da temática Sexualidade. 
Não há como ignorar a importância do livro didático nas aulas de ciências, tanto para o "bem" quanto para o "mal". Eles não são os grandes vilões da educação (em ciências) e (jamais) serão a sua salvação. Mas é sempre válido exercitar um olhar crítico sobre este instrumento ao qual professores e alunos têm livre acesso nas escolas públicas. Não se trata de "culpabilizar" os autores de livros didáticos. É preciso (re)conhecer o processo de editoração, venda e aquisição de livros didáticos como um mercado e, indo mais além, realizar uma leitura crítica deste processo e dos textos e discursos veiculados nos livros.
Ainda não consigo detectar grandes avanços no sentido de um ensino de temas relacionados à Saúde e Sexualidade que promova uma educação científica humanística e progressista quando observo os livros didáticos. Porém, sempre gosto de pensar (e acredito, de fato) que conteúdos e metodologias são sempre definidas, em última instância, pelo professor. Mesmo quando este tem que lutar contra os currículos cada vez mais mínimos e políticas de avaliação (cuja lógica não é educacional) das secretarias estaduais e municipais pelo Brasil afora.

sábado, 2 de março de 2013

Por que ensinar ciências mesmo?


      Em post anterior comentei sobre a(s) função(ões) da escola em nossa sociedade e a percepção da mesma pelos estudantes. Acredito que, da mesma forma que existem várias correntes na Sociologia da Educação que propõem diferentes funções e papeis da instituição escolar, na Educação em Ciências observamos movimentos distintos ao longo de sua constituição e desenvolvimento os quais buscam/buscaram justificar a inserção de conhecimentos científicos nos currículos da escola básica. 
    Traçamos um caminho que foi desde uma argumentação puramente tecnicista ou conteudista, passando pela necessidade de estimular os alunos a seguirem carreiras científicas até uma justificativa que envolve a necessidade de que nossos alunos consigam compreender conceitos científicos e, ao mesmo tempo, deem conta de colocá-los em prática a partir de tomadas de decisões sobre assuntos que envolvem a Ciência e a Tecnologia[1]. Atualmente, eu penso que essas três finalidades não se excluem e são válidas desde que nenhuma delas seja compreendida de modo raso e estrito.
            O aluno tem que sair da escola, depois de passar anos tendo aulas de ciências naturais, sabendo conteúdos básicos de Biologia, Geociências, Física e Química. Além disso, ele tem que não apenas conhecer os conceitos mas entender sua origem, ou seja,  compreender aspectos da Natureza da Ciência (como o conhecimento científico é produzido, por quem, quais os interesses envolvidos nessa produção, os impactos de tais conhecimentos na sociedade e por aí vai). Mais recentemente a ideia de alfabetização científica (ou letramento científico, como alguns preferem) trouxe à tona a importância de que o ensino de ciências contemple as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade e que ele contribua para a formação de pessoas que saibam opinar sobre temas científicos e tecnológicos presentes em seu cotidiano.
Além disso, outros autores argumentam que ensinar ciências sem discutir o que é Ciência, o(s) método(s) científico(s), a atividade científica produtora de conhecimentos passa a ser uma tarefa inócua. E vou além: são pouquíssimos cursos de graduação que possuem disciplinas que proporcionem discussões epistemológicas e sobre a história da ciência. Assim, não apenas os futuros cientistas como os professores de ciências saem da universidade sem refletir sobre aspectos intrínsecos e extrínsecos à Ciência e perdem a oportunidade de problematizar esta atividade social humana e deixam de ter sua curiosidade epistemológica despertada.
Considerando todos esses fatores – que não se esgotam aqui – parece que ensinar ciências não é algo simples. Porém, quando nós professores de ciências (qualquer que seja o nível de ensino) temos claro quais são os nossos objetivos e o que pretendemos quando falamos sobre a Ciência as escolhas relativas aos conteúdos a serem ensinados e aos métodos a serem utilizados são, sem dúvidas, facilitadas.


[1] Para estudo dos objetivos do ensino de ciências (de acordo com perspectivas históricas e críticas), recomendo:
Delizoicov, Demétrio; Angotti, José André; Pernambuco, Marta Maria. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
Krasilchik, Myriam. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU, 1987.
Marandino, Martha; Selles, Sandra E.; Ferreira, Marcia S. Ensino de biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009.