Está lá, na maioria dos artigos de pesquisa da área de educação em
ciências, o destaque para a necessidade de que sejam inseridos e discutidos
aspectos relacionados à natureza da ciência em cursos de formação inicial de
professores. Como estou tendo a primeira experiência docente no curso de
Pedagogia senti-me quase que obrigada a promover esse tipo de discussão com
meus alunos. Além disso, falamos sobre quais seriam os objetivos do ensino de
ciências gerais e aqueles que seriam específicos das séries iniciais do ensino
fundamental. Tivemos debates bastante produtivos de cunho epistemológico e fui
surpreendida com reflexões que abarcaram contribuições da Sociologia,
Psicologia e da Filosofia que foram trazidas pelos próprios alunos.
Porém, uma questão tem sido latente
durante essas aulas. Eles se perguntam – e externalizam o conflito em várias
ocasiões – sobre como podem ser professores de ciências alinhados a uma
perspectiva investigativa e crítica se: 1) não vivenciaram esse tipo de ensino
quando eram alunos da escola básica, 2) não estão sendo formados para isso na
universidade e 3) a escola na qual eles possivelmente atuarão exigirá deles o
cumprimento de um currículo abarrotado de conteúdos. Certamente que eu não
tenho soluções prontas para cada um desses impasses e temos conversado sobre
eles um pouco a cada aula e tenho tentado mostrar que não é porque nossa
formação escolar foi deficitária que não podemos romper com o modelo de
professor de ciências com o qual convivemos. A universidade serve é para isso
mesmo: refletir sobre nossos modelos pedagógicos, fornecendo as bases teóricas
e práticas para que eles possam elaborar seu próprio modo de agir e pensar a
educação e o ensino. Aí chegamos ao ponto que eu queria destacar. Eles se
queixam que a universidade não tem dito a eles como eles devem ser enquanto
professores. Parei, então, para pensar em como tinha sido a minha formação
inicial e se ela tinha sido eficaz a ponto de me tornar uma professora crítica
e, usando um termo que meus alunos usam muito, “diferenciada”. Sim, eu era uma
professora crítica e diferenciada, no entanto, isso não era suficiente para
conseguir romper, em várias ocasiões, com um modelo de ensino transmissionista
e conteudista. Culpa minha? Culpa da escola? Culpa da universidade que não me
formou direito? Culpa do sistema?
Acho que antes de procurar os culpados
temos que analisar o que há de possibilidade de transformação da ação docente.
Observando a minha trajetória, percebo que foi apenas no momento em que exerci
o magistério que pude relacionar minha aprendizagem teórica e prática da
licenciatura com os saberes que eu produzia cotidianamente em minhas salas de
aula. Dia desses até brinquei com meus ex-alunos do ensino fundamental (tenho
contato com vários deles por meio de uma rede social) de que eles foram minhas
cobaias e que sempre me recordo de alguma situação vivida na escola com eles da
qual extrai um aprendizado sobre a prática docente que só quem está em sala de
aula tem.
Quando estava dando uma aula sobre linguagem
no mestrado uma aluna, professora de biologia, disse que realiza atividades com
seus alunos que ela nunca havia atentado para o fato de que ela estimulava
determinadas habilidades de leitura por meio do contato com textos alternativos
ao livro didático. Esta é uma característica muito relevante do trabalho
docente: o tempo todo o professor utiliza a sua “intuição” (faz esta atividade,
funciona, faz na outra turma, já não dá tão certo, re-elabora, implementa de
novo, produz seus textos e materiais e por aí vai) e com o tempo ele vai
desenvolvendo e aprimorando este saber docente que, não tem jeito, ele não vai
aprender só na universidade.
Então, retomo o que tinha escrito acima.
É fundamental sim colocarmos os licenciandos em contato com a produção teórica
da educação, da filosofia, da sociologia, da psicologia e da educação em
ciências porque, mais cedo ou mais tarde, aqueles textos farão algum sentido e
pode ser que eles nem se lembrem dos autores, dos conceitos mas se recordam que
discutiram aquilo no passado e se quiserem conseguem recuperar a fonte,
aprofundar seus estudos e “teorizar” sua prática.
A angústia a qual me referi
anteriormente é típica de qualquer profissional que está prestes a entrar no
mercado de trabalho (cruel, altamente seletivo e que, algumas vezes, se utiliza
de critérios obscuros e duvidosos para dizer quem é “bom” e que não é) e na
educação não é diferente. Hoje, a educação também tem sido tratada como mercado
e os egressos de nossas licenciaturas daqui a pouco estarão competindo com o
colega por um cargo público ou por uma vaga em uma escola particular. Mas este
é um outro assunto que podemos retomar outro dia.
Me parece que uma questão de fundo colocada no artigo é a relação teoria-prática. Eu tenho vivenciado um currículo onde a disciplina de estágio atravessa quase todos os períodos, o que me parece uma boa estratégia para uma formação que estabeleça pontes entre universidade e escola, mas não é nada fácil. De fato as 3 perguntinhas mágicas nos perseguirão e não existe resposta pronta, nem é para existir. Fico pensando que uma possível chave seja o desenvolvimento da autonomia dos professores que estamos formando. Autonomia intelectual e política. Bjs! Estou adorando ler o blog! Francine
ResponderExcluirOi Francine, concordo com você que o estágio supervisionado presente ao longo da graduação, além de disciplinas como "Laboratório de Ensino", promovem reflexões como essas e a relação entre teoria e prática. Acho que você tocou em um ponto essencial: estimular o desenvolvimento da autonomia do professor. Faço questão de enfatizar isso com os licenciandos. Que bom que está gostando do Blog. Bjos
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