quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Professor(a), eu?

Ninguém nasce professor assim como ninguém nasce dentista, engenheiro, jogador de futebol ou técnico de informática. O “dom”, a “vocação”, o que quiserem chamar, para o magistério é algo, no mínimo, ultrajante para uma carreira que requer tanto estudo e dedicação ao longo da formação inicial e continuada. Acredito que parte da desvalorização da profissão docente na sociedade atual decorre dessa visão errônea.
Daí também se deriva a ideia de que o magistério pode ser um trampolim para outras carreiras. E tive a constatação disso em meu primeiro dia de aula em uma turma de calouros da licenciatura em Biologia. Como sempre dei aulas para turmas concluintes dos cursos de licenciatura (nas disciplinas de Prática de Ensino, Estágio Supervisionado e Trabalho Final de Graduação) eu nunca senti a necessidade de questionar os alunos sobre suas motivações pela escolha do magistério. Pensava que se eles estavam concluindo o curso era porque eles tinham convicção de que seguiriam atuando na escola. Hoje eu me questiono sobre isso...
Voltando aos calouros. Como queria ter um perfil da turma e uma ideia de suas visões de ensino e da Biologia pedi para que eles completassem duas frases. As respostas foram separadas em categorias por afinidade de sentidos (tive a ajuda de dois alunos) e colocadas no quadro para que pudéssemos discutir o resultado depois. A primeira frase “Eu quero ser professor de Biologia...” foi a que apresentou menor variedade de respostas mas, certamente, estas foram as que mais me surpreenderam. Dos 34 licenciandos presentes, 11 disseram que não queriam ser professores, eles estavam ali porque não conseguiram aprovação em outros cursos, inclusive no bacharelado que é mais concorrido. Vários deles demonstraram em nossa conversa que tinham interesse em pesquisa em diversas subáreas da Biologia e desconheciam a pesquisa em ensino de Biologia. As respostas dos demais oscilaram entre “porque eu gosto de ciências/biologia”, “porque eu tive bons professores de biologia que me influenciaram”, “porque eu quero ensinar biologia”. Esta última foi a que apareceu em menor número além daquelas respostas que não foram agrupadas.  Confesso que fui pega de surpresa com algumas das respostas porque ficou claro que a escolha pela licenciatura não é necessariamente feita pela intenção explícita de atuação no ensino. Por outro lado, elas confirmam de algum modo o que coloquei acima: ninguém nasce com o “dom” para o magistério. Isso é algo que é descoberto e que pode ser valorizado (ou não) pela pessoa fazendo com que ela opte (ou não) por se tornar (e se formar) professor. A segunda frase “Um bom professor de Biologia é...” gerou respostas diversificadas. Vários comentaram a importância do professor despertar a curiosidade e o interesse dos alunos pela Biologia a partir de atividades lúdicas e da interação com estes. Outros disseram que o bom professor de Biologia é dinâmico, crítico, atualizado, bem humorado, inovador e respeita o aluno. Os termos “louco” e “maluco” apareceram em duas respostas no sentido de ser descontraído e inquieto perante o saber. Alguns comentaram que ele deve dominar o conteúdo para ensiná-lo ao aluno e outros ressaltaram que esta não é condição exclusiva para o bom desempenho do professor. Uma resposta em especial gerou bastante discussão: “é aquele que representa a ciência”.  Acho que dá para imaginar o motivo.
Abro pequeno parêntese aqui para dizer que na apresentação dos alunos na disciplina de Ciências da Natureza do curso de Pedagogia obtive a informação parecida, ou seja, a maioria dos futuros pedagogos não pretende ser professor (e estes estão já no sexto período!).
De forma geral, esta atividade simples me levou a refletir sobre questões relacionadas à construção da identidade docente e da própria opção pelo magistério. A formação inicial destes licenciandos deve ser quase impecável no sentido de que devemos fazer com eles reflitam sobre o que é ser professor (de ciências e biologia) pois não podemos jamais apresentar a prática docente como atividade simplista, transmissionista e mecânica (neste caso, qualquer um poderia ser professor, não é mesmo?). Espero, ao menos, conseguir deixar aquela sementinha plantada nas mentes deles agora no início para que ela germine no decorrer de sua formação.

2 comentários:

  1. É tudo culpa da academia!!! Triste sentimento de poder que domina as mentes de quem detém o conhecimento.... e que define as "regras do jogo"....
    Perdi a bolsa de mestrado para assumir o trabalho de professora na escola e estou me propondo a fazer o doutorado trabalhando em duas escolas, seria eu uma exceção?! Até quando resistirei?! rs
    Sigo lutando....
    bjinhos Tati

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  2. Dani, seu comentário caiu como uma luva ao post que acabei de colocar. Você é realmente uma excessão. Está na universidade e valoriza sua atuação na escola pública. Para você faz todo o sentido mas quem está na academia deve te achar louca! Sobre até quando você irá resistir... O doutorado poderá te dar uma resposta (ou não!). Bjos

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