sábado, 2 de fevereiro de 2013

"Pesquisa em Ensino de Ciências como 'Ciências Moles'?"

Os alunos que ingressam no curso de licenciatura (e até mesmo no bacharelado) em Biologia desconhecem a existência da pesquisa em educação em ciências. Outro dia, em uma aula da turma de calouros fizemos a discussão de um artigo de pesquisa da área e perguntei: "qual a área de conhecimento a qual está pesquisa está relacionada?". Resposta (ainda que tímida): Biologia. Retribui com outra pergunta: "qual a área de conhecimento de vocês neste curso?". Obtive a mesma resposta. Tive que ser enfática. "Não, a área de vocês não é Biologia! É Educação em Ciências ou Ensino de Biologia, se preferirem."
Tenho certeza de que se algum colega meu de faculdade, que não seja da área de "Ensino", estiver lendo este post agora está com um canto da boca meio torto e um olhar de poucos amigos. Já volto nisso.
Antes deixe-me contar o desfecho da conversa com os calouros. Eles me olharam espantados e eu fui obrigada (com todo o prazer) a explicar que produzimos conhecimentos científicos nas Ciências Humanas (ou Ciências Humanas Aplicadas, algo meu querido ex-professor Demétrio Delizoicov muito bem discute em um artigo no Caderno Brasileiro em Ensino de Física) e que, como qualquer Ciência, utilizamos referenciais teóricos, rigorosa metodologia e critérios de demarcação. Eles cursam uma outra disciplina na qual discutem questões de cunho epistemológico, o que é fundamental para qualquer curso de licenciatura, e neste momento trouxeram à tona algumas questões importantes, entre elas a ideia do "ateorismo" quando na realização de uma pesquisa que tem como "dado" a observação.
A desvalorização da pesquisa nas Humanidades é tão evidente na universidade que alunos de uma Faculdade de Formação de Professores acham que estão ali "apenas" para aprenderem a como dar aulas. Mas de onde eles tiraram essa ideia se eles acabaram de entrar na universidade?
Acredito que isso tem relação com algumas coisas que comentei em outros posts: a própria desvalorização do magistério como atividade que não requer estudo mas tão somente "vocação" e a ideia de que "quem sabe pesquisa e quem não sabe, ensina".
Retomando as possíveis críticas de alguns colegas. Eu sempre ouvi (desde que fui professora no Departamento de Física e Química da UNIFEI) que o "pessoal do ensino consegue publicar mais porque é mais fácil". Um colega (muito querido, por sinal) brinca comigo que eu e outros professores que damos as disciplinas pedagógicas somos das "ciências moles"; afinal quem faz "pesquisa" é das ciências duras ("hard").
Se os próprios professores/pesquisadores das áreas das Ciências Biológicas (os das Ciências Exatas então...) não nos reconhecem como tal, o que esperar desses alunos recém-chegados nas licenciaturas?
Antes que digam que eu estou propondo uma queda de braço entre pesquisadores de diferentes áreas quero esclarecer que eu mesma sou bacharel e tenho amigos pesquisadores de outras áreas (que não a de Humanas) que são inclusive parceiros em projetos de pesquisa e extensão. A questão aqui não é ver quem "produz mais" ou conhecimento de "melhor qualidade" do que o outro. Os conhecimentos têm origens e racionalidades distintas e a produção dos conhecimentos em cada área segue determinados padrões e lógicas epistemológicas que não podem ser comparadas.
Eu não tenho a menor intenção em convencer meus alunos da licenciatura de que a pesquisa em educação em ciências é "fabulosa". Eu quero (e acho que é meu dever) mostrar que a pesquisa em educação em ciências existe! E mais, eu quero que os licenciandos, futuros professores, sejam produtores de conhecimentos e se reconheçam como tais. É óbvio que nem todos farão mestrado e se tornarão acadêmicos mas precisamos fazer os olhos desses meninos brilharem ao se encantar com a pesquisa nas Ciências Humanas.
E sei que, assim como eu fui formada, eu e vários outros formadores de professores estão engajados neste propósito. Não é por acaso que nossa área vem se consolidando em eventos nacionais, internacionais e em periódicos de alta qualidade com edição em nosso país.
Com isso, ou melhor, sem isso a qualidade do nosso magistério não deixará o nível patético no qual se encontra atualmente.

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