quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Um (doce) balanço

Mais um semestre se encerra na universidade (lembrando que tivemos greve e, por isso, estamos terminando a reposição de aulas) e com ele algumas reflexões acabam surgindo. Mas eu não quero dissertar sobre as aulas bem sucedidas ou inovações que deram mais ou menos certo nas disciplinas que ministrei. Eu quero escrever sobre gente. Porque, no fundo, o que é bonito no magistério é o lidar com gente, com pessoas, com sujeitos e suas histórias.
Este semestre conheci muitas pessoas e histórias encantadoras. A de uma adolescente que acabou de ter filho e acaba de ingressar na universidade, a de uma mulher - quase senhora - que trabalha em uma escola de educação especial e que agora faz pedagogia, a de um homem que não cursou todo o ensino fundamental - quiçá o médio - mas fez provas para obter os diplomas, prestou vestibular e agora no final do ano se graduará, e várias outras histórias encantadoras.
A cada tarde ou noite em que convivi com esses alunos eu não ensinei apenas. Aprendi demais com todos eles. E quando Paulo Freire dizia que não há docência sem discência - a essência da pedagogia dialógica - ele não poderia estar mais correto. Não há como ensinar sem aprender. E esse aprender se refere não apenas a conteúdos, aliás, conteúdo é o que há de menos importante aqui. Gosto de ouvir o que eles têm a dizer sobre seu mundo, suas angústias, suas ideias... Enfim, a possibilidade de troca, de conhecer outras realidades via o olhar do outro me encanta no magistério.
Aprendi muito com meus licenciandos da Biologia e da Pedagogia este semestre. E, apesar do cansaço que todo professor conhece muito bem ao final de um ciclo de trabalho, sinto-me recompensada e revigorada para seguir em frente.
Feliz 2013!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Por que ensinar e aprender na escola? Por que ensinar Ciências?


         A primeira das questões acima me acompanha desde sempre. A última vez em que ela surgiu foi de uma maneira bastante inusitada. Minha filha, então com 8 anos, às 7 horas da manhã enquanto se vestia para ir à escola me sai com essa: “Mãe, por que as crianças têm que ir para a escola?”. Como eu ainda estava meio sonolenta e tendo sido pega de surpresa com essa pergunta que é praticamente filosófica eu respondi: “dá pra gente conversar sobre isso depois?”. Ela foi para a aula e eu fiquei o restante da manhã pensando naquilo. Como responder essa pergunta de modo que uma criança entendesse e fosse convencida? E o pior não era isso. Era eu me dar conta que talvez eu mesma não tivesse uma resposta razoável para dar.
            Na saída da escola eu retomei o assunto e disse alguma coisa do tipo: é importante que as crianças aprendam tudo o que as gerações passadas (nossos avós, bisavós e outras pessoas há muitos anos atrás) aprenderam sobre o mundo, sobre a natureza porque senão esse conhecimento irá se perder. Para ser sincera, eu não fiquei convencida com a resposta que dei e ela fez uma expressão de que “não era isso o que eu estava querendo saber”.
O papo ficou por aí mas a minha inquietação enquanto educadora persistiu. Deve ter alguma coisa errada na escola para que as crianças se façam esse tipo de pergunta (ou não...). Enfim, eu conclui que talvez seja importante conversar com as crianças sobre a importância de frequentar a escola (mas há mesmo uma importância?). Porque, caso contrário, parece uma obrigação não justificada ter que ir à escola e, convenhamos, criança não gosta de fazer nada por obrigação. Acho legítimo um aluno me questionar o motivo dele ter que aprender na escola e não em casa, no computador. Será que esse é um dos motivos pelos quais eles não reconhecem a relevância e a finalidade do papel do professor? Será que esse não pode ser mais um fator que repercute no pouco respeito e desvalorização da profissão docente? Pode parecer meio óbvio para nós, professores, e para uma parcela da população adulta que nossa profissão é essencial para o desenvolvimento e melhoria da sociedade. Mas não é. E também é nossa função, ao contribuir para a formação de valores e do caráter do aluno, discutir com ele a importância da escola na vida dele. Eu não estou sugerindo inserir uma disciplina de filosofia nas séries iniciais. No entanto, eu realmente acredito que formar “cidadãos críticos capazes de exercitar plenamente sua cidadania nos diferentes contextos e situações na sociedade” (não é este o discurso dos documentos curriculares oficiais?) passa, obrigatoriamente, por discussões como essa. Afinal, como exercitar a criticidade dos alunos se não deixamos que eles tenham voz no espaço que é pensado atualmente como sendo o espaço formal responsável pela sua formação integral e plena?
E sobre o ensino de ciências, especificamente? Comento no próximo post... 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

É possível formar professores de ciências a distância?

Sei que o assunto é polêmico e logo adianto que não pretendo sair em defesa de qualquer posição, apresentar dados estatísticos ou dizer que este ou aquele autor é a favor ou contra a educação a distância. Darei tão somente um depoimento de alguém que tanto fez um curso de especialização nesta modalidade quanto como uma professora universitária que ministrou aulas em um curso de formação inicial de professores da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Ao finalizar minha graduação não me sentia pronta para uma seleção de mestrado. Optei por seguir no magistério, ganhar experiência em sala de aula e somente depois decidir se e em qual área eu faria meu mestrado. Foi uma ótima decisão porque na escola eu percebi o que me motivaria ao redigir um projeto de pesquisa, escolhendo meu objeto de estudo e a linha de investigação a ser seguida. Mas uma parte deste êxito deveu-se ao fato de eu ter cursado nesse ínterim uma especialização (lato sensu) em Docência do Ensino Superior, coordenada por uma equipe de professores da UFRJ. O curso era organizado em módulos e eu recebia o material (impresso) via correios e tinha orientações sobre o tempo a dedicar ao estudo de cada conteúdo e uma carga horária diária de estudo era sugerida pelos coordenadores. Eu seguia à risca as instruções. Ao final de cada módulo havia uma avaliação. Em alguns eram trabalhos escritos que deveriam ser postados pelos correios e em outros eram provas escritas que eu fazia em um "polo". Ao final da especialização eu deveria submeter (não havia defesa oral) uma monografia sobre um dos temas abordados em quaisquer dos módulos do curso. Lembro-me que tive uma dificuldade considerável para elaborar a monografia, sobretudo no que diz respeito à revisão bibliográfica e a construção de um texto científico coerente cuja apropriação teórica de fato existisse e não ficasse apenas no nível da repetição (os famosos "apud"). Devo admitir que esta foi a etapa em que mais senti falta do "presencial", da "sala de aula", de poder tirar dúvidas "ao vivo" com o professor no momento em que elas surgiam. Eu raramente utilizava o sistema de tutoria. Talvez se fosse hoje - com o uso das plataformas via Internet - eu tivesse interagido mais com os tutores. Minha moral da história aqui é que a especialização a distância foi uma experiência que somou à minha formação acadêmica e que eu a encarei com muita seriedade pois exercitei minha autonomia e disciplina.
Agora o outro lado da moeda.
Minha primeira atuação como professora efetiva em uma universidade foi exatamente em um curso de educação a distância. A vaga para a qual fui destinada era da UAB para ministrar disciplinas pedagógicas no curso de licenciatura em Física da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Antes de contar um pouco dessa experiência permitam-me dar uma contextualizada. Primeiro, eu tinha um pé atrás com relação a essa coisa toda de formar professores (e de ciências!) a distância. As questões eram várias mas as principais eram: e as discussões/interações interpessoais que apenas são possíveis quando os sujeitos estão fisicamente presentes em um mesmo espaço? E o olho no olho? Segundo, quando eu comecei a me preparar para o concurso (e eu estudei e li bastante a respeito do assunto, afinal, a vaga era na área de Educação e não Ensino de Ciências) eu me deparei com argumentos favoráveis e contrários à formação de professores (de ciências) a distância que eram bastante razoáveis. E aí, obviamente, eu me perguntei em algum momento: "você quer fazer parte disso? Quer lidar com pessoas, via computador, sem olhar para elas, e formá-las para serem professoras que estarão em sala de aula um dia? Você acredita nisso?". Fiz o concurso sem ter uma resposta a esta última questão, mas eu decidi que eu queria apostar na experiência.
Nem preciso dizer que enfrentei desafios óbvios: o curso era de licenciatura em Física (minha formação inicial é em Ciências Biológicas), não daria qualquer disciplina relacionada à minha área, não dominava a plataforma TelEduc (na qual eu ministraria as disciplinas) e ficaria responsável por disciplinas pedagógicas (Didática, Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento) que me demandariam muito estudo para sua preparação e adaptação para o formato a distância.
Logo que entrei na universidade e me envolvi com a licenciatura a distância - no outro semestre passei a atuar também no curso presencial - aquelas questões pareciam ter sumido. Eu já não me questionava se eu queria ou não fazer parte do grupo de professores universitários que apoiam a formação de professores a distância. E hoje, quando eu paro para pensar em um possível motivo, eu arriscaria um: a seriedade com a qual aquela equipe de professores do curso de licenciatura em Física a distância da UNIFEI conduzia todas as atividades pedagógicas/acadêmicas daquele curso era exemplar. Antes que alguém insinue que isso poderia se dever à bolsa da UAB que recebíamos mensalmente por atuarmos neste curso eu adianto: não, não era. Aqueles professores realmente estavam preocupados com um dado concreto: professores de física são uma espécie em extinção! Tudo bem, então vamos melhorar o ensino de física no nível médio, lá na escola, estimular a escolha pelo curso de Física quando a molecada está escolhendo a carreira no vestibular. Concordo plenamente. Mas estamos esquecendo de um dado fundamental: há quem escolha Física e abandone o curso logo no início. Enquanto fui professora lá vi uma turma presencial se formar com a mesma quantidade (ínfima) de alunos da turma a distância. Se não fosse esse curso a distância (que, me desculpem os críticos que não conhecem o trabalho daquela equipe, era sim de qualidade) o número estaria reduzido à metade!
Só mais um ponto. Havia uma frase que não saia da minha cabeça durante todo o período pré-concurso e ainda quando atuava lá como professora: "Por que não há curso de medicina a distância?". Tão logo pensava nesta questão imaginava os estágios supervisionados nas licenciaturas. Como controlar? Como contribuir para que os futuros professores percebessem a prática pedagógica como uma atividade crítica? Como "pensar" em conjunto com os licenciandos suas regências, assisti-las e buscar avaliá-las de modo que esta etapa essencial na formação docente fosse de qualidade. Não fui professora de Estágio Supervisionado no curso a distância mas observava o trabalho de alguns colegas. Ainda considero que aqui jaz o maior desafio das licenciaturas a distância.
Para concluir - não o assunto que está longe de ser unívoco - mas as minhas considerações posso trazer um comentário que sempre escutava nas reuniões daquela equipe: bom aluno, é bom aluno em qualquer modalidade de ensino. Aqui deixo minha ressalva: ser "bom aluno" ainda é um julgamento subjetivo e nada me gratifica mais quando vejo um "aluno regular" se transformar em um "excelente futuro professor".
Obs: o verbo "ver" na frase acima não foi empregado aleatoriamente.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pesquisador/orientador também é professor?

Talvez neste post eu fuja um pouco do foco deste blog, o ensino de ciências na escola. Talvez não.
Outro dia estava conversando informalmente com um grupo de amigos com os quais cursei minha graduação. Hoje, todos somos pós-graduados e atuantes em diferentes áreas de conhecimento. O tema da conversa era a competitividade do mundo acadêmico. Todos ali tinham sido estagiários, mestrandos ou doutorandos de um grande departamento de pesquisas no Centro de Ciências da Saúde na UFRJ. O que tínhamos em comum? Boas (ou péssimas?) histórias sobre nossos ex-orientadores. 
Na verdade, quando nos encontramos neste nível, o de estudantes/aprendizes, ainda não compreendemos bem o jogo de poder entre os chefes de laboratório na disputa por espaços, recursos, status. Uma amiga relatou o caso de uma professora/pesquisadora já aposentada que simplesmente obrigou uma pesquisadora contratada em seu laboratório a "adicionar" seu nome em uma publicação na qual ela simplesmente não teve qualquer tipo de participação. Com isso, os currículos Lattes desses "pesquisadores de alto nível" vão engordando e dando a tortuosa impressão de que eles são, de fato, referências na área. Será que é por mera vaidade que esse tipo de pesquisador faz isso? Em alguns casos, pode ser que sim. Mas acredito que na grande maioria o que ocorre é a ganância, é a necessidade de construção de um "sobrenome" (no meio acadêmico somos conhecidos assim) que seja certificado de confiabilidade e, portanto, de injeção de verbas  para o desenvolvimento de projetos de pesquisa, aquisição de materiais, bolsas de produtividade e por aí vai.
Conheço, pessoalmente, variados perfis de pesquisadores. Desde aqueles que deixam seus orientandos soltos, completamente perdidos, e que depois querem colher os louros de seus resultados ou simplesmente se eximir de qualquer tipo de responsabilidade por um trabalho de pouca qualidade... Até... Pesquisadores que são extremamente compromissados com a formação de seus alunos (de iniciação científica, de mestrado ou de doutorado) e que ajudam-nos a crescer, a se tornarem pesquisadores tão bons ou melhores do que eles. Falamos sobre isso em nossa conversa, existem orientadores que querem te fazer crescer, que se orgulham em ter feito parte de sua formação e não se sentem diminuídos pelo simples fato de que agora você está conquistando seu espaço e sendo reconhecido. Mas existem aqueles outros que te sugam, te puxam para baixo, e quando percebem que você tem seu brilho próprio, te podam.
Acredito que estes últimos não têm a percepção de seu papel formativo não apenas na vida acadêmica daquela pessoa, mas também na constituição nos valores éticos daquele sujeito. Todo pesquisador/orientador é professor e, por isso, tem que ser exemplo de boas condutas e demonstrar atitudes de bom caráter e profissionalismo. Ter uma boa formação é essencial. Mas nem tudo está perdido se tivermos alguns maus exemplos pelo caminho, não é mesmo?

sábado, 2 de fevereiro de 2013

"Pesquisa em Ensino de Ciências como 'Ciências Moles'?"

Os alunos que ingressam no curso de licenciatura (e até mesmo no bacharelado) em Biologia desconhecem a existência da pesquisa em educação em ciências. Outro dia, em uma aula da turma de calouros fizemos a discussão de um artigo de pesquisa da área e perguntei: "qual a área de conhecimento a qual está pesquisa está relacionada?". Resposta (ainda que tímida): Biologia. Retribui com outra pergunta: "qual a área de conhecimento de vocês neste curso?". Obtive a mesma resposta. Tive que ser enfática. "Não, a área de vocês não é Biologia! É Educação em Ciências ou Ensino de Biologia, se preferirem."
Tenho certeza de que se algum colega meu de faculdade, que não seja da área de "Ensino", estiver lendo este post agora está com um canto da boca meio torto e um olhar de poucos amigos. Já volto nisso.
Antes deixe-me contar o desfecho da conversa com os calouros. Eles me olharam espantados e eu fui obrigada (com todo o prazer) a explicar que produzimos conhecimentos científicos nas Ciências Humanas (ou Ciências Humanas Aplicadas, algo meu querido ex-professor Demétrio Delizoicov muito bem discute em um artigo no Caderno Brasileiro em Ensino de Física) e que, como qualquer Ciência, utilizamos referenciais teóricos, rigorosa metodologia e critérios de demarcação. Eles cursam uma outra disciplina na qual discutem questões de cunho epistemológico, o que é fundamental para qualquer curso de licenciatura, e neste momento trouxeram à tona algumas questões importantes, entre elas a ideia do "ateorismo" quando na realização de uma pesquisa que tem como "dado" a observação.
A desvalorização da pesquisa nas Humanidades é tão evidente na universidade que alunos de uma Faculdade de Formação de Professores acham que estão ali "apenas" para aprenderem a como dar aulas. Mas de onde eles tiraram essa ideia se eles acabaram de entrar na universidade?
Acredito que isso tem relação com algumas coisas que comentei em outros posts: a própria desvalorização do magistério como atividade que não requer estudo mas tão somente "vocação" e a ideia de que "quem sabe pesquisa e quem não sabe, ensina".
Retomando as possíveis críticas de alguns colegas. Eu sempre ouvi (desde que fui professora no Departamento de Física e Química da UNIFEI) que o "pessoal do ensino consegue publicar mais porque é mais fácil". Um colega (muito querido, por sinal) brinca comigo que eu e outros professores que damos as disciplinas pedagógicas somos das "ciências moles"; afinal quem faz "pesquisa" é das ciências duras ("hard").
Se os próprios professores/pesquisadores das áreas das Ciências Biológicas (os das Ciências Exatas então...) não nos reconhecem como tal, o que esperar desses alunos recém-chegados nas licenciaturas?
Antes que digam que eu estou propondo uma queda de braço entre pesquisadores de diferentes áreas quero esclarecer que eu mesma sou bacharel e tenho amigos pesquisadores de outras áreas (que não a de Humanas) que são inclusive parceiros em projetos de pesquisa e extensão. A questão aqui não é ver quem "produz mais" ou conhecimento de "melhor qualidade" do que o outro. Os conhecimentos têm origens e racionalidades distintas e a produção dos conhecimentos em cada área segue determinados padrões e lógicas epistemológicas que não podem ser comparadas.
Eu não tenho a menor intenção em convencer meus alunos da licenciatura de que a pesquisa em educação em ciências é "fabulosa". Eu quero (e acho que é meu dever) mostrar que a pesquisa em educação em ciências existe! E mais, eu quero que os licenciandos, futuros professores, sejam produtores de conhecimentos e se reconheçam como tais. É óbvio que nem todos farão mestrado e se tornarão acadêmicos mas precisamos fazer os olhos desses meninos brilharem ao se encantar com a pesquisa nas Ciências Humanas.
E sei que, assim como eu fui formada, eu e vários outros formadores de professores estão engajados neste propósito. Não é por acaso que nossa área vem se consolidando em eventos nacionais, internacionais e em periódicos de alta qualidade com edição em nosso país.
Com isso, ou melhor, sem isso a qualidade do nosso magistério não deixará o nível patético no qual se encontra atualmente.