Esta semana, em aulas de diferentes disciplinas na Biologia, surgiu uma questão que parece se constituir relevante para alguns licenciandos: a (suposta) importância da existência de um currículo comum nacional.
Ao falarmos de abordagem conceitual ou temática, seleção dos conteúdos de ensino, uso de metodologias baseadas ou não na perspectiva Freiriana, eles expuseram o conflito entre a opção pela valorização da realidade do aluno e a necessidade deste mesmo aluno "acompanhar" o ensino oferecido em diferentes escolas do país.
É aquela velha discussão: será que é justo selecionar conteúdos que dizem respeito ao entorno social imediato do aluno em detrimentos dos conteúdos "universais" já estabelecidos e consolidados no currículo escolar? Será que um aluno da escola pública, ao ser educado dentro dessa filosofia mais contextualizada ou problematizadora não sairia atrás na corrida pelas vagas no ENEM quando em competição com os alunos (treinados) pelas escolas particulares? Será que, ao regionalizar demais o currículo escolar, o aluno não enfrentará dificuldades quando for transferido de escola em seu próprio estado ou para outra região do país?
A ideia do currículo mínimo nacional - que vem se tornando cada vez mais reduzido, sobretudo em nível estadual e municipal - abarca a ideologia de que uma educação justa é a "Educação para todos". Mas o que está por trás desse slogan da "Educação para todos"? É oferecer o acesso à escola pública (de que qualidade?), aos conteúdos de ensino e às oportunidades de socialização que o ambiente escolar proporcionaria? Pesquisadores do campo do currículo, dentro de uma vertente crítica, ajudam-nos a refletir sobre essas questões. Afinal, o currículo não é/está assim por acaso. Ele foi construído, selecionado, elaborado por pessoas que tinham determinados interesses e objetivos (não apenas educacionais). Ele é fruto de disputa de poder, de status, de espaço-tempo na escola.
O slogan da "Educação para todos" acaba justificando/reforçando a ideia de que já que queremos que todos sejam educados façamos isso da forma mais homogênea possível. Logo, todos os alunos que cursam o sétimo ano do ensino fundamental devem, obrigatoriamente, aprender conteúdos relacionados ao corpo humano nas aulas de ciências em todo o país. Mas quais conceitos devem ser ensinados-aprendidos sobre o corpo humano? Anatomia, fisiologia, genética? Esse corpo é o mesmo daquele de um aluno de uma escola no sertão nordestino e de outra no centro da cidade de São Paulo? Há como ensinar da mesma forma esses conceitos?
O que acho mais relevante destacar nesse debate (que se estende amplamente e que não teria como ser esgotado aqui) é que, ao adotar uma metodologia na qual a seleção dos conteúdos não é tomada como "natural" e, sim, fruto de um processo de problematização e de tomada de conhecimento da realidade social da comunidade escolar, o professor (ou a equipe docente) está deslocando o foco central da questão. Ele passa a refletir não apenas sobre a relevância de determinados conteúdos curriculares mas, além disso, ele se questiona sobre a finalidade do ensino de ciências.
Sou ampla defensora do acesso ao conhecimento científico por todos os alunos de todas as escolas brasileiras. Mas não acredito que devemos educar (cientificamente) todos da mesma maneira. O aluno da escola pública tem que ter seu direito garantido ao acesso ao conhecimento mais elaborado possível sim, não só para competir em condições iguais com o aluno da rede particular no vestibular (pensando aqui dentro desse paradigma de que o vestibular é o objetivo último do ensino formal), mas sobretudo para ter a oportunidade de também refletir sobre seu entorno social, sobre as condições (desiguais) sociais, econômicas, culturais que ele sente dia a dia na sua pele.
Acho que meus alunos, futuros professores, ainda irão conviver com esse conflito de forma mais real quando estiverem atuando profissionalmente. Alguns, provavelmente, se ajustarão ao sistema, adotarão o currículo mínimo tal qual lhe foi imposto. Outros, não.
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