segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O “ensino de” e a “educação em” ciências


         Qual a diferença entre “ensino de ciências” e “educação em ciências”? Será que existe mesmo uma distinção entre tais denominações? Essas perguntas me perseguem desde a graduação. Tenho um amigo com quem cursei a Prática de Ensino, Jorge Nascimento, que uma vez disse: “eu não gosto dessa dicotomia entre o pessoal da educação em e do ensino de”. Essa frase marcou. E devo dizer que até hoje quando escrevo um desses dois termos em qualquer um dos meus textos eu paro para pensar se estou atribuindo o significado correto a eles.
            Hoje, anos após ter ouvido tal comentário de meu amigo, pedi a ele que falasse mais um pouco sobre o assunto. Leiam o que ele escreveu:

“Sim, me lembro disso! (...) se não me engano era algo na linha de: o pessoal do "Ensino de" tinha mais apego (seria melhor dizer interesse?) à prática da didática, à experimentação (por exemplo) em sala de métodos de ensino e ao aprender fazendo, se é que não fica ofensivo dizer isto. Já o povo da "Educação em" teorizava mais e, de certa forma, se afastava do problema (e às vezes da prática na sala de aula ou no campo), talvez para compreendê-lo de maneira menos emocionada e desapegada dos claros limites impostos pela prática. Na verdade, na época, eu acho que me incomodava que o pessoal que era mais sala de aula e projetos (no laboratório, no campo) e o pessoal que tentava entender a educação e o ensino à luz das teorias tinham umas brigas muito bobas. Não sei se na época eu tinha esta visão mas me parecia que a complementariedade entre as visões era meio óbvia mas as pessoas preferiam defender seus nichos se opondo e não atuando em colaboração. Daí que os mais acadêmicos pareciam, aos olhos dos "práticos", uns alienados e estes viam os outros como improvisadores sem conteúdo teórico (como se não soubessem o que estavam fazendo por não ter a base teórica sólida inclusive pra saber quais teorias estavam fazendo dialogar ao executar uma determinada prática). Então eu acabei representando pra mim isto da forma que eu via quando lia os trabalhos (ex: em EPEBs[1] e assemelhados) e conversava com as pessoas. E no final das contas eu acho que o moleque que estava ali num determinado contexto social, histórico e mesmo conjuntural, perdia pois seus mestres atacavam os inimigos errados ao tentar refletir para melhorar o resultado líquido da educação no chão! (...)”.

          E meu amigo ainda fala um pouco de sua experiência na educação ambiental, porém selecionei este fragmento porque ele traz (brilhantemente e de forma explícita) algo que me tem feito pensar recentemente sobre as contribuições que minhas pesquisas (teóricas ou empíricas) na área de educação em ciências podem ter de fato para a melhoria do ensino de ciências  e da própria formação e trabalho docente. Qual o impacto que as pesquisas e as discussões que se dão no âmbito acadêmico têm na sala de aula? Porque a impressão que eu tenho quando converso com professores é que eles estão preocupados com demandas concretas de sua atividade, entre elas: péssimas condições de trabalho, alunos desinteressados, colegas desestimulados, mudanças cíclicas nas políticas das secretarias de educação, avaliações extremamente exigentes (e muitas vezes descabidas) por parte do governo, necessidade de cumprimento dos conteúdos programáticos, salários vergonhosos e nenhum incentivo à complementação de sua formação e prosseguimento dos estudos já que não existe uma política de plano de carreira. (Este último ponto está relacionado ao que discuti no post “Por que o professor que estuda mais sai da escola?”)
            Desta forma, volto meu olhar para as discussões que tenho no grupo de pesquisa ou para aquelas que presencio em eventos científicos e fico com a impressão de que, em diversas situações, nós (pesquisadores) teorizamos demais, elucubramos sobre os mais diferentes aspectos da “educação em ciências” e acabamos nos distanciando das tais demandas que enumerei acima com as quais o professor tem que lidar na escola (onde o “ensino de ciências” se concretiza). É claro que existem pesquisadores atentos a tudo isso e que buscam incorporar essas questões a suas teorizações. Porém, acredito que essa dicotomia entre aquilo o que é “pensado” sobre o ensino de ciências e aquilo que se “efetiva” na sala de aula de ciências é algo que deve estar constantemente sob vigilância daqueles que realizam pesquisas sistemáticas na área.
         O que eu acho importante destacar é que temos que reconhecer (efetivamente) que há produção de conhecimentos não apenas nos centros acadêmicos mas também na escola[2].
Essa questão da diferença entre o que é uma pesquisa “teórica” ou “prática” parece não ser tão problemática em outros campos do conhecimento como é nas Ciências Humanas. Nas Ciências Naturais (falando aqui da minha área disciplinar de origem) existe uma distinção que se não é óbvia (do ponto de vista epistemológico) é, pelo menos, estabelecida (e até certo ponto desejada) pelos cientistas entre ciência dura (“hard”) e ciência aplicada. E embora exista uma disputa por status, poder e recursos entre cientistas das duas vertentes o sentido de pesquisa aplicada não tem sido pejorativo uma vez que esta tem dado contribuições essenciais para o desenvolvimento de medicamentos, vacinas, curas de doenças, entre outros. O que temos observado nas Ciências Naturais é que essa distinção muitas vezes não faz sentido pois pesquisas aplicadas geram novos conhecimentos e pesquisas “hard” podem vir a ter aplicações práticas. Ou seja, o que acaba sendo importante, em última instância, é o acúmulo de conhecimentos. Não tenho a menor pretensão de traçar um paralelo entre Ciências Naturais e Ciências Humanas apenas estou enfatizando que no caso específico da educação em ciências poderíamos/deveríamos reconhecer e vivenciar o caráter aplicado que as pesquisas da área têm (ou deveriam ter?)[3];[4].


[1] EPEB: Encontro Perspectivas do Ensino de Biologia. Este encontro teve sua primeira edição em 1982 e a última em 2006 sendo sempre realizado e organizado pela Faculdade de Educação da USP. Após a criação da Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), em 1997, e sua concretização passaram a ser realizados os ENEBIOs e EREBIOs (encontros nacionais e regionais de ensino de biologia, respectivamente). Consulte o site http://www.sbenbio.org.br/.
[2] Sugiro a leitura do livro: Lopes, Alice R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.
[3] Uma discussão sobre esse tema é feita por: Delizoicov, Demétrio. Pesquisa em ensino de ciências como ciências humanas aplicadas. In: Nardi, Roberto (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras Editora, 2007.
[4] Sobre possíveis diálogos entre distintas áreas da ciência (exatas e humanas) veja a reportagem na Revista Ciência Hoje em: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2012/10/dialogo-necessario.

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