"Na nossa vida cotidiana, não temos tempo para nos debruçar com a devida atenção sobre os termos que utilizamos e não nos damos conta do fato de que eles dizem muito mais do que costumamos supor. As palavras, as inflexões, o modo de construir as frases, cada uma dessas coisas tem a sua própria história. Tanto em sua gênese como em seu emprego, os termos da linguagem põem a nu os valores das sociedades que o criaram e os mantêm vivos."
In: KONDER, L. A questão da Ideologia. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.Ao ler a citação acima em um ótimo artigo de pesquisa sobre livros didáticos de ciências, recordei-me de uma discussão interessante que tivemos na aula passada na turma de Laboratório de Ensino I, disciplina obrigatória do primeiro período da licenciatura em Biologia na FFP/UERJ. Estávamos conversando sobre sexualidade, suas abordagens na escola e, mais especificamente, em aulas de ciências e biologia. Falamos também sobre o quanto os valores apreendidos no âmbito familiar influenciam os comportamentos e também na questão da personalidade de cada um que determinam as escolhas e opções sexuais. No início desta aula assistimos dois vídeos (uma parte do documentário Meninas e um vídeo produzido por jovens sobre orientação sexual) e, da discussão que sucedeu a ele, gostaria de destacar algo relacionado a este último.
Quando falamos não apenas nos comunicamos, mas nos apresentamos ao mundo. Expomos - mesmo que sem querer, por meio do uso de "termos impensados" - nossas ideologias que não são únicas, tampouco lineares e não controversas.
Quando um(a) professor(a) chama um aluno de "alegrinho", "bicha" ou "mocinha" ou uma aluna de "galinha", "sapata" ou "estranha" ele(a) está dizendo muito mais do que todos esses termos possam significar sob o ponto de vista de preconceito relacionado às questões de gênero. O como ele diz, o contexto no qual ele emprega o termo, carregam significados que expressam não apenas uma "opinião" mas um dizer histórico, um sentido que vem sendo construído dentro e fora da escola e que alguns professores propagam às vezes até de forma inconsciente. Certamente que nada justifica este tipo de julgamento e ofensa, porém é bem provável que caso perguntemos a alguém que use esses termos rotineiramente ele(a) afirme que não é preconceituoso(a), que não tem nada contra gays e lésbicas.
Os/as professores/as que têm propagado essa ideologia talvez não estejam atentos para a triste realidade que consiste na exclusão de alunos e alunas com tendências homossexuais da escola. No vídeo que assistimos (link acima) dois casais gays comentam exatamente isso: crianças, adolescentes e jovens estão abandonando a escola porque são humilhados pelos colegas, professores e até mesmo por dirigentes escolares.
Muito tem se falado sobre bullying contra alunos obesos, magros, "feios", "esquisitos", "nerds", com dificuldade de socialização etc. Muito também tem se discutido à respeito da sexualização cada vez mais precoce das crianças. E onde estão os debates acerca de questões de gênero? Da homossexualidade?
Eu costumo bater nessa tecla: a do slogan da educação (discurso de pesquisadores e fazedores de políticas públicas) de "formar para a cidadania". Será que discutir esse tema com nossos alunos (sim, nas aulas de ciências e/ou qualquer outra e/ou em qualquer outro espaço na escola) não se insere neste propósito? Ser cidadão não consiste também em respeitar o outro, o seu direito de escolha por sua opção sexual?
Vejo uma sociedade cada vez mais intolerante. De todos os lados. Dos religiosos e dos ateus. Dos "politizados" e dos "alienados". Enfim, de todos os extremos que se julgam estar corretos. Estamos perdendo a capacidade de ouvir o outro. De entender ou, ao menos, respeitar a fala do outro.
Acontece que professor não pode jamais se dar ao luxo de "falar impensadamente" e com isso ferir seu aluno e seus sentimentos. Educar é um ato político, mas também de amor e de respeito ao aluno. Porque todo - e qualquer um - aluno merece ser respeitado.
Muito bem apontado. Direitos humanos, ética, pluralidade cultural... temas transversais que por serem responsabilidade de todos na escola acabam no "deixa que eu deixo", ou seja, esquecidos. Sou professora de biologia, e em algumas temáticas sempre busco trabalhar os aspectos sociais e como a cultura e a biologia se inter-relacionam. Quando trabalho o corpo humano ou o sistema reprodutor considero fundamental trabalhar a questão de gênero e sexualidade com os alunos, e um dos caminhos que tenho feito é trabalhar o conceito de tabu e a diversidade cultural de comportamentos, passando por questões como "porque pensamos do jeito que pensamos?" "qual a influência do meio social em que nos desenvolvemos sobre aquilo que consideramos'normal'?" para então explorarmos o que é o preconceito e quais seus efeitos na sociedade... é importante preparar os alunos para ouvirem outras opiniões, e se expressarem justificando suas colocações. Enfim, esse é o meu caminho. Antes de ir, um termo me chamou atenção no texto. Quando falamos "opção sexual" o que isso quer dizer? será que é uma questão de escolha, opção? Nosso discurso é carregado de vícios que nem percebemos, e as palavras mais discretas são carregadas de sentidos. ótima citação inicial! Abraços
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