Outro dia estava assistindo a um filme ("The cure", A cura) no qual as protagonistas eram duas crianças. Dois meninos na casa dos 11, 12 anos. Um deles era portador do vírus HIV em uma época em que as formas de contágio não estavam bem esclarecidas para a maioria da população e tampouco o tratamento contra a síndrome da AIDS estava bem desenvolvido.
O que gostaria de destacar deste filme, que se passa nos EUA, é a propriedade científica dessas duas crianças para falar e tratar sobre os sintomas, modos de transmissão e a busca incansável pela cura. O menino que não tem a doença desenvolve todo um método de testes para a sua hipótese de que a cura para a AIDS estaria em um chá extraído de alguma planta. Ele faz anotações sistemáticas sobre as ervas que ele colhe, as folhas, as flores, mede a temperatura do colega e a sua própria utilizando a si mesmo como "controle".
Bom, mas por que eu estou contando a história de um filme triste cujo final todos já devem imaginar e que é do tipo "sessão da tarde"?
Porque eu me surpreendi com a forma como os meninos lidam não apenas com a "doença" mas também com os conhecimentos científicos que eles aparentam ter para lidar com a questão da cura da doença. São crianças norte-americanas, que deveriam estar ao que equivaleria ao sexto ano do ensino fundamental, e que se mostram alfabetizadas cientificamente. Eles entendem o que é o "pensar científico", já que têm uma pergunta/problema, elaboram uma hipótese, fazem testes e chegam a algumas conclusões (neste caso, não muito agradáveis).
Fiquei me perguntando o quanto isso é desejável e como temos enfrentado dificuldades em ensinar o "pensar científico" - mesmo que seja dentro de uma visão empiricista ou metodologicamente monista - para nossos alunos. O aprender ciências no ensino fundamental (sobretudo nas séries iniciais) tem sido tão chato, vinculado à decoreba, que ele por si só está perdendo espaço.
Podemos pegar o primeiro atalho e criticar as professoras do primeiro segmento dizendo que elas não gostam de ensinar ciências. Há como gostar se na sua formação inicial as ciências são tão subjugadas com relação aos conhecimentos mais voltados para a Educação stricto sensu? Além disso (e considero este o fator mais fundamental da questão), se o desempenho em português e matemática - disciplinas tradicionais no currículo das séries iniciais - nas avaliações sistemáticas realizadas pelo Governo Federal vem se mostrando preocupante por que haveria de se dar mais espaço para Ciências?
O despertar do interesse pela Ciência deveria mesmo ser introduzido na infância, etapa de vida em que a curiosidade é natural e espontânea. O como fazer isso passa pela formação dos professores sim, mas muito mais por políticas nacionais e regionais de educação que pensem concretamente ações de inserção dos alunos na cultura científica.
Não acredito que devemos retroceder no tempo e buscarmos a formação de "mini cientistas". Já que se fala tanto de alfabetização científica (ou letramento científico) por que não assumirmos essa tarefa de uma vez por todas? Uma alfabetização científica que não ignore a formação de valores, política e crítica. Que rompa com esse ensino tradicional entranhado em nossas práticas. É possível, meus/minhas colegas. É possível.
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