Tenho percebido, dentre meus licenciandos em Biologia, uma maioria de alunos aplicados, interessados e envolvidos em questões educacionais. Sinto que boa parte deles realmente gosta do magistério e quando são convidados a discutir temas específicos do ensino de ciências conseguem estabelecer relações entre suas experiências anteriores como discentes na escola e como futuros professores em seus estágios supervisionados.
Não me deterei à minoria que, por motivos diversos e pessoais, não pretendem seguir na carreira docente. Estes poderão a vir se encontrar em outras áreas relacionadas à Biologia ou até mesmo em outras profissões. Acho que isso é normal e acontece em qualquer curso universitário.
Quero, então, me deter a este grupo que chega entusiasmado na licenciatura ou, às vezes, nem tão entusiasmado assim no início mas que ao decorrer do curso vai tomando gosto pela Educação e pelo Ensino de Ciências.
O que eu fiquei me perguntado é: em que momento acontece a desilusão, a decepção, a morte da utopia? Porque o que estes mesmos licenciandos hoje empolgados me relatam de suas experiências nas escolas em seus estágios contrasta dolorosamente com esse sentimento de empolgação na formação inicial.
Talvez para alguns a utopia nem chegue a ser algo considerado. Alguns não chegam nunca a sentir que podem mudar o mundo, reverter o quadro de injustiça social do país, contribuir para a formação de pessoas com valores, decentes e críticas. Talvez alguns nunca achem que sua "simples" aula possa fazer a diferença.
Mas tem aqueles outros que saem da universidade repletos de motivações, de planos e de sonhos a serem postos em prática. E o que acontece nós já sabemos. Alguns se deparam com boas condições de trabalho em escolas particulares ou públicas. Mas aí há o problema de desvalorização salarial, da própria profissão e do seu conhecimento que não é reconhecido como "epistemologicamente válido" por boa parte daquela mesma academia onde ele foi formado.
Outros atuam em escolas públicas sem qualquer tipo de infraestrutura: sem banheiros limpos, sem água, sem segurança, sem merenda decente.
Há ainda aqueles que convivem com alunos completamente desamparados pela família, esquecidos por seus pais, que são educados pelas/nas ruas. Estes sofrem ao perceber que dar aulas de ciências às vezes é questão secundária para essas crianças e esses adolescentes.
Eu poderia listas várias outras situações que poderiam levar estes futuros professores que hoje se sentem motivados a se tornarem aquelas figuras tristes, cobradas constantemente por políticas públicas que os tornam apenas mais um número para as avaliações nacionais e internacionais. Aqueles rostos cansados, reprimidos e descrentes na educação que eles frequentemente observam nas salas de aula em que estagiam ou nas salas de professores em que aguardam o próximo tempo de aula durante o recreio.
Por outro lado, eu sei que vários deles serão a transformação. Simplesmente por acreditarem que a mudança está neles e passa por seus atos. Certamente que alguns sucumbirão. Mas todos os demais que resistirem, estes sim, serão professores de ciências, de biologia dignos. Neles, eu deposito todas as minhas fichas e minha esperança.
Ensinando Ciências na Escola é um blog que traz reflexões sobre a educação científica buscando abordar temas atuais com os quais professores de ciências estão envolvidos em seu cotidiano escolar.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Quando o dizer exclui: lidando com a homossexualidade na sala de aula
"Na nossa vida cotidiana, não temos tempo para nos debruçar com a devida atenção sobre os termos que utilizamos e não nos damos conta do fato de que eles dizem muito mais do que costumamos supor. As palavras, as inflexões, o modo de construir as frases, cada uma dessas coisas tem a sua própria história. Tanto em sua gênese como em seu emprego, os termos da linguagem põem a nu os valores das sociedades que o criaram e os mantêm vivos."
In: KONDER, L. A questão da Ideologia. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.Ao ler a citação acima em um ótimo artigo de pesquisa sobre livros didáticos de ciências, recordei-me de uma discussão interessante que tivemos na aula passada na turma de Laboratório de Ensino I, disciplina obrigatória do primeiro período da licenciatura em Biologia na FFP/UERJ. Estávamos conversando sobre sexualidade, suas abordagens na escola e, mais especificamente, em aulas de ciências e biologia. Falamos também sobre o quanto os valores apreendidos no âmbito familiar influenciam os comportamentos e também na questão da personalidade de cada um que determinam as escolhas e opções sexuais. No início desta aula assistimos dois vídeos (uma parte do documentário Meninas e um vídeo produzido por jovens sobre orientação sexual) e, da discussão que sucedeu a ele, gostaria de destacar algo relacionado a este último.
Quando falamos não apenas nos comunicamos, mas nos apresentamos ao mundo. Expomos - mesmo que sem querer, por meio do uso de "termos impensados" - nossas ideologias que não são únicas, tampouco lineares e não controversas.
Quando um(a) professor(a) chama um aluno de "alegrinho", "bicha" ou "mocinha" ou uma aluna de "galinha", "sapata" ou "estranha" ele(a) está dizendo muito mais do que todos esses termos possam significar sob o ponto de vista de preconceito relacionado às questões de gênero. O como ele diz, o contexto no qual ele emprega o termo, carregam significados que expressam não apenas uma "opinião" mas um dizer histórico, um sentido que vem sendo construído dentro e fora da escola e que alguns professores propagam às vezes até de forma inconsciente. Certamente que nada justifica este tipo de julgamento e ofensa, porém é bem provável que caso perguntemos a alguém que use esses termos rotineiramente ele(a) afirme que não é preconceituoso(a), que não tem nada contra gays e lésbicas.
Os/as professores/as que têm propagado essa ideologia talvez não estejam atentos para a triste realidade que consiste na exclusão de alunos e alunas com tendências homossexuais da escola. No vídeo que assistimos (link acima) dois casais gays comentam exatamente isso: crianças, adolescentes e jovens estão abandonando a escola porque são humilhados pelos colegas, professores e até mesmo por dirigentes escolares.
Muito tem se falado sobre bullying contra alunos obesos, magros, "feios", "esquisitos", "nerds", com dificuldade de socialização etc. Muito também tem se discutido à respeito da sexualização cada vez mais precoce das crianças. E onde estão os debates acerca de questões de gênero? Da homossexualidade?
Eu costumo bater nessa tecla: a do slogan da educação (discurso de pesquisadores e fazedores de políticas públicas) de "formar para a cidadania". Será que discutir esse tema com nossos alunos (sim, nas aulas de ciências e/ou qualquer outra e/ou em qualquer outro espaço na escola) não se insere neste propósito? Ser cidadão não consiste também em respeitar o outro, o seu direito de escolha por sua opção sexual?
Vejo uma sociedade cada vez mais intolerante. De todos os lados. Dos religiosos e dos ateus. Dos "politizados" e dos "alienados". Enfim, de todos os extremos que se julgam estar corretos. Estamos perdendo a capacidade de ouvir o outro. De entender ou, ao menos, respeitar a fala do outro.
Acontece que professor não pode jamais se dar ao luxo de "falar impensadamente" e com isso ferir seu aluno e seus sentimentos. Educar é um ato político, mas também de amor e de respeito ao aluno. Porque todo - e qualquer um - aluno merece ser respeitado.
sábado, 13 de julho de 2013
O "pensar científico" por crianças: possível?
Outro dia estava assistindo a um filme ("The cure", A cura) no qual as protagonistas eram duas crianças. Dois meninos na casa dos 11, 12 anos. Um deles era portador do vírus HIV em uma época em que as formas de contágio não estavam bem esclarecidas para a maioria da população e tampouco o tratamento contra a síndrome da AIDS estava bem desenvolvido.
O que gostaria de destacar deste filme, que se passa nos EUA, é a propriedade científica dessas duas crianças para falar e tratar sobre os sintomas, modos de transmissão e a busca incansável pela cura. O menino que não tem a doença desenvolve todo um método de testes para a sua hipótese de que a cura para a AIDS estaria em um chá extraído de alguma planta. Ele faz anotações sistemáticas sobre as ervas que ele colhe, as folhas, as flores, mede a temperatura do colega e a sua própria utilizando a si mesmo como "controle".
Bom, mas por que eu estou contando a história de um filme triste cujo final todos já devem imaginar e que é do tipo "sessão da tarde"?
Porque eu me surpreendi com a forma como os meninos lidam não apenas com a "doença" mas também com os conhecimentos científicos que eles aparentam ter para lidar com a questão da cura da doença. São crianças norte-americanas, que deveriam estar ao que equivaleria ao sexto ano do ensino fundamental, e que se mostram alfabetizadas cientificamente. Eles entendem o que é o "pensar científico", já que têm uma pergunta/problema, elaboram uma hipótese, fazem testes e chegam a algumas conclusões (neste caso, não muito agradáveis).
Fiquei me perguntando o quanto isso é desejável e como temos enfrentado dificuldades em ensinar o "pensar científico" - mesmo que seja dentro de uma visão empiricista ou metodologicamente monista - para nossos alunos. O aprender ciências no ensino fundamental (sobretudo nas séries iniciais) tem sido tão chato, vinculado à decoreba, que ele por si só está perdendo espaço.
Podemos pegar o primeiro atalho e criticar as professoras do primeiro segmento dizendo que elas não gostam de ensinar ciências. Há como gostar se na sua formação inicial as ciências são tão subjugadas com relação aos conhecimentos mais voltados para a Educação stricto sensu? Além disso (e considero este o fator mais fundamental da questão), se o desempenho em português e matemática - disciplinas tradicionais no currículo das séries iniciais - nas avaliações sistemáticas realizadas pelo Governo Federal vem se mostrando preocupante por que haveria de se dar mais espaço para Ciências?
O despertar do interesse pela Ciência deveria mesmo ser introduzido na infância, etapa de vida em que a curiosidade é natural e espontânea. O como fazer isso passa pela formação dos professores sim, mas muito mais por políticas nacionais e regionais de educação que pensem concretamente ações de inserção dos alunos na cultura científica.
Não acredito que devemos retroceder no tempo e buscarmos a formação de "mini cientistas". Já que se fala tanto de alfabetização científica (ou letramento científico) por que não assumirmos essa tarefa de uma vez por todas? Uma alfabetização científica que não ignore a formação de valores, política e crítica. Que rompa com esse ensino tradicional entranhado em nossas práticas. É possível, meus/minhas colegas. É possível.
O que gostaria de destacar deste filme, que se passa nos EUA, é a propriedade científica dessas duas crianças para falar e tratar sobre os sintomas, modos de transmissão e a busca incansável pela cura. O menino que não tem a doença desenvolve todo um método de testes para a sua hipótese de que a cura para a AIDS estaria em um chá extraído de alguma planta. Ele faz anotações sistemáticas sobre as ervas que ele colhe, as folhas, as flores, mede a temperatura do colega e a sua própria utilizando a si mesmo como "controle".
Bom, mas por que eu estou contando a história de um filme triste cujo final todos já devem imaginar e que é do tipo "sessão da tarde"?
Porque eu me surpreendi com a forma como os meninos lidam não apenas com a "doença" mas também com os conhecimentos científicos que eles aparentam ter para lidar com a questão da cura da doença. São crianças norte-americanas, que deveriam estar ao que equivaleria ao sexto ano do ensino fundamental, e que se mostram alfabetizadas cientificamente. Eles entendem o que é o "pensar científico", já que têm uma pergunta/problema, elaboram uma hipótese, fazem testes e chegam a algumas conclusões (neste caso, não muito agradáveis).
Fiquei me perguntando o quanto isso é desejável e como temos enfrentado dificuldades em ensinar o "pensar científico" - mesmo que seja dentro de uma visão empiricista ou metodologicamente monista - para nossos alunos. O aprender ciências no ensino fundamental (sobretudo nas séries iniciais) tem sido tão chato, vinculado à decoreba, que ele por si só está perdendo espaço.
Podemos pegar o primeiro atalho e criticar as professoras do primeiro segmento dizendo que elas não gostam de ensinar ciências. Há como gostar se na sua formação inicial as ciências são tão subjugadas com relação aos conhecimentos mais voltados para a Educação stricto sensu? Além disso (e considero este o fator mais fundamental da questão), se o desempenho em português e matemática - disciplinas tradicionais no currículo das séries iniciais - nas avaliações sistemáticas realizadas pelo Governo Federal vem se mostrando preocupante por que haveria de se dar mais espaço para Ciências?
O despertar do interesse pela Ciência deveria mesmo ser introduzido na infância, etapa de vida em que a curiosidade é natural e espontânea. O como fazer isso passa pela formação dos professores sim, mas muito mais por políticas nacionais e regionais de educação que pensem concretamente ações de inserção dos alunos na cultura científica.
Não acredito que devemos retroceder no tempo e buscarmos a formação de "mini cientistas". Já que se fala tanto de alfabetização científica (ou letramento científico) por que não assumirmos essa tarefa de uma vez por todas? Uma alfabetização científica que não ignore a formação de valores, política e crítica. Que rompa com esse ensino tradicional entranhado em nossas práticas. É possível, meus/minhas colegas. É possível.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
O professor que aprende com o aluno
Quantas vezes não entramos em sala de aula subestimando o conhecimento de nossos alunos? Ou simplesmente achando que uma aula não "renderá" tudo o que você gostaria porque a turma parece quase sempre desinteressada?
E quantas outras vezes não estamos nesta mesma sala de aula, com este mesmo grupo de alunos, e não nos surpreendemos com suas reações, participações e opiniões?
Acredito que todo professor já tenha vivenciado esse tipo de experiência, em qualquer nível de ensino que seja. Talvez porque nós professores avaliamos muito além de conhecimentos, mas também posturas e atitudes. Não há como mesmo o professor que se auto-intitule como o mais progressista ou dialógico não passar por isso. Lidamos com pessoas, somos pessoas e as relações não são apenas estabelecidas entre o que um sabe e o que o outro sabe mais ou menos.
O cotidiano de uma sala de aula é encantador exatamente por isso. Por nela estarem presentes histórias de vida diversas, culturas, crenças, valores diversos.
E como isso pode ser rico para nosso exercício pedagógico!
Quando nos deslocamos, desconstruindo uma visão pré-concebida e nos permitimos aprender com o outro, com aquele que veio "ouvir" alguma coisa de nós - os "detentores do saber" - abrimo-nos à possibilidade de sermos mais.
O professor que se permite (auto) críticas, que planeja e avalia suas ações não para no tempo.
E aprende com o tempo que nessa relação com o outro é normal "estranhar" e "reconhecer" neste a si próprio, seus limites e seus potenciais.
E quantas outras vezes não estamos nesta mesma sala de aula, com este mesmo grupo de alunos, e não nos surpreendemos com suas reações, participações e opiniões?
Acredito que todo professor já tenha vivenciado esse tipo de experiência, em qualquer nível de ensino que seja. Talvez porque nós professores avaliamos muito além de conhecimentos, mas também posturas e atitudes. Não há como mesmo o professor que se auto-intitule como o mais progressista ou dialógico não passar por isso. Lidamos com pessoas, somos pessoas e as relações não são apenas estabelecidas entre o que um sabe e o que o outro sabe mais ou menos.
O cotidiano de uma sala de aula é encantador exatamente por isso. Por nela estarem presentes histórias de vida diversas, culturas, crenças, valores diversos.
E como isso pode ser rico para nosso exercício pedagógico!
Quando nos deslocamos, desconstruindo uma visão pré-concebida e nos permitimos aprender com o outro, com aquele que veio "ouvir" alguma coisa de nós - os "detentores do saber" - abrimo-nos à possibilidade de sermos mais.
O professor que se permite (auto) críticas, que planeja e avalia suas ações não para no tempo.
E aprende com o tempo que nessa relação com o outro é normal "estranhar" e "reconhecer" neste a si próprio, seus limites e seus potenciais.
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