O Estado democrático tem seus governantes eleitos pela população. É o povo que decide quem serão seus representantes nos poderes legislativo e executivo e tais pessoas deveriam tomar decisões em consonância com aquilo que o povo quer e necessita. Acredito que uma das grandes questões no exercício da gestão democrática encontra-se exatamente nesse ponto: uma vez eleitos os políticos não retornam à sociedade para consultá-la sobre as principais decisões que afetam diretamente seus eleitores. Por outro lado, não possuímos no Brasil uma cultura de acordo com a qual estejamos acostumados a cobrar de nossos representantes aquilo o que eles prometeram em suas campanhas ou, simplesmente, tudo o que nos é de direito requisitar (por exemplo, os serviços básicos de saúde e educação que nos são garantidos na própria Constituição Federal).
Então, alguns irão argumentar que há necessidade de se implementar mecanismos pelos quais a população possa ser ouvida diretamente a não ser pelo mecanismo do voto direto, como pelos plebiscitos ou referendos. Há também os que defendam o voto facultativo que retira a obrigatoriedade do cidadão em participar das eleições diretas.
Você deve estar se perguntando porque eu, professora do ensino superior da área de Educação, estou escrevendo sobre isso em um Blog sobre ensino de ciências. Por um simples motivo, caro colega leitor: devido ao meu questionamento interno sobre o que desencadeou a ação violenta da Polícia Militar do Rio de Janeiro na noite de sábado (dia 28 de setembro) na Câmara Municipal e nos dias decorrentes. Professores que ocupavam esse espaço que melhor deveria representar o regime democrático foram covardemente agredidos e postos para fora da casa. As fotos e os vídeos estão por aí na Internet e aqueles que ainda não tiveram oportunidade de vê-los basta dar um rápida busca na rede.
Algumas pessoas tendem a centralizar esta lamentável ocorrência nas figuras de nossos representantes de Estado (Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Dilma Roussef, prefeito, governador e presidente, todos aliados políticos). Concordo que há muito o que debatermos sobre as alianças políticas entre PMDB e PT, sobre a forma com que nossas polícias têm atuado na sociedade (via repressão e violência que fazem com que a população desconfie e tema corporações que deveriam nos proteger) ou sobre as diferentes formas de manifestações populares as quais em algumas ocasiões violaram os direitos de outros cidadãos. Mas, sinceramente, acho que o "xis" da questão não está apenas situado nas tomadas de decisões do Paes ou do Cabral (ambos em seus segundos mandatos, ou seja, a própria população sinalizou que estava satisfeita com seus governos e os reelegeram), em seus mandos e desmandos na cidade e no estado do RJ, em suas licitações, contratos e repasses de verbas que estão aí para aqueles que conseguem ver, verem. Acho que o nó central ainda é a Educação, ou melhor, as táticas quase silenciosas e perversas que o Estado democrático vem adotando para remover da Educação seu papel político e social. Porque, cá entre nós, parece-me óbvio criticar os governos militares sobre suas políticas em relação à Educação. Porém, o esvaziamento e a desvalorização que a Educação brasileira tem assumido dentro do Estado democrático é algo que merece ser analisado com mais atenção. Relações estreitas com o neoliberalismo não são meras coincidências.
Alguns podem voltar a me questionar e me trazerem "ao meu devido lugar": Ok, mas e o que o ensino de ciências tem a ver com isso tudo? Respondo com outra questão: Até quando vamos insistir com essa falácia de que ensinamos ciências para formar cidadãos críticos e plenos na sociedade? Acho que vou arriscar outra: Será que temos claro que projeto de sociedade queremos e que tipo de cidadão pretendemos formar para esta mesma sociedade?
Afinal, criticidade sem consciência é, parafraseando François Rabelais, somente ruína da alma.
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