domingo, 27 de outubro de 2013

ENEM, entrada na universidade, avaliação de escolas e uma questão sobre a Educação Brasileira

No final de semana em que está acontecendo o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) não há como tratar de outro assunto. Aqui no Blog, na aba da direita, encontra-se uma entrevista com um professor que acaba de defender sua tese de doutorado na USP e que tinha como objetivo compreender os limites e as possibilidades de uso dos resultados do ENEM como indicador de qualidade escolar. De fato, o que temos observado após a divulgação dos resultados finais do exame a cada ano é um ranqueamento das escolas brasileiras a partir do desempenho de seus alunos no mesmo. O que o Prof. Dr. Rodrigo Travitzik constatou em sua tese  é que a escola é o segundo fator que influencia diretamente no desempenho do aluno no ENEM, sendo que o primeiro está relacionado ao seu nível socioeconômico (cerca de 75%). Desta forma, o ENEM estaria sendo utilizado como um indicador de qualidade escolar que não reflete atribuições relacionadas propriamente ao ensino das escolas mas sim, novamente, servindo para "mascarar" aquilo que realmente impacta no sucesso escolar e acadêmico dos alunos: suas condições socioeconômicas.
Ou seja, o uso do ENEM para além de seu objetivo primeiro que é selecionar alunos para ingressarem nas universidades brasileiras como promotor de rankings das escolas não estaria retratando algo que é mais do que urgente e gritante em nosso país: a desigualdade social e econômica que continua sendo perpetuada pelo nosso sistema educacional.
A questão que me coloco e que eu adoraria que fosse debatida fora dos muros da academia, com toda a população e com nossos representantes políticos é: quando (e como) teremos uma Educação que contemple todas as classes sociais e econômicas de modo que, um dia, não tenhamos mais a discrepância brutal entre cada uma delas no que diz respeito ao acesso aos bens culturais do nosso país?
Acho que a resposta passa por dois pontos: 1) o interesse por parte de nossos representantes políticos por uma Educação pública de qualidade (que não é medida por ENEMs, SAEBs e Provinhas Brasil) e 2) o valor que é atribuído à Educação como alavanca para a mudança social de um país que hoje não demonstra ter qualquer tipo de interesse em investir na escola pública como agente promotora de igualdade.
Mas não há como desconsiderar o nível micro: existem alunos que conseguem romper a organização do sistema e, apesar de estudarem em escolas públicas mal avaliadas, pertencerem a classes sociais baixas, terem pais com pouca (ou nenhuma) escolaridade, chegam à universidade, se graduam, às vezes, pós-graduam e se estabelecem de alguma forma na sociedade. O problema é que muitos deles não conseguem perceber isso e continuam contribuindo para alimentar o modelo social cruel no qual estamos inseridos.
Talvez o mais importante seja seguir acreditando que não há como haver mudança sem que mudemos. E sei que não somos poucos os professores que acreditam na Educação como via de mudança e seguem se dedicando no dia a dia para que todos os alunos não necessariamente cheguem à universidade mas possam ter condições de decidir aquilo que querem fazer e até onde querem chegar.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O olhar do aluno quando o colega sofre discriminação na escola

O vídeo que postei aqui no Blog semana passada ("Uma lição de discriminação") não poderia ter chegado até mim em momento mais propício. Não, eu não estou enfrentando algum tipo de discriminação nas turmas em que dou aula na graduação e na pós-graduação (não que eu saiba!). Mas porque esta semana minha filha que está no 4o ano do ensino fundamental veio conversar comigo sobre um colega seu que está sofrendo bullying. Ela puxou o papo me perguntando se quando eu estava na escola se algum amigo meu tinha sofrido bullying. Eu respondi que sim e lá pelas tantas ela falou da sua preocupação com um colega que era discriminado por ser "esquisito": ele tirava meleca e colava na mesa, falava sozinho e levava brinquedos estranhos para a escola. Ela disse que conversava com ele normalmente mas, principalmente, os meninos da turma pegavam bastante no pé do colega. Confesso que fiquei me perguntando até aonde deveria ir aquela conversa com minha filha: se parava na orientação que dei a ela como mãe ou se eu (como educadora) deveria/poderia interferir no que estava acontecendo na sala de aula dela e ir até à escola e expor a situação.
Porém, não estou aqui para colocar em debate uma situação pessoal mas gostaria de levantar algumas questões que muitos de nós professores fingimos ignorar em nossas aulas porque achamos que é "coisa de criança" ou "implicância normal de adolescente". Aliás, acho que no vídeo a professora faz uma experiência com seus alunos que já havia despertado algumas perguntas em mim. Será que como professores não temos o dever de ensinar o aluno a respeitar o outro? Será que respeito se ensina? Será que a discriminação é apenas uma questão racional ou pode ser também instintiva e, assim, não há muito o que se fazer?
Outro dia eu falei com meus alunos da graduação que sou absolutamente contra esse bordão de que "professor ensina e pais educam". Eu sou professora e educadora. Eu educo sim! Educo pelo ensinar do meu conhecimento, pelos meus exemplos, pelos valores que transmito, pela relação que construo com meu aluno. Então, se eu sou mais do que uma "ensinadora de conteúdos" eu tenho que assumir para mim a responsabilidade de formar pessoas que respeitem umas às outras. Desta forma, eu não posso permitir que um aluno meu seja segregado porque tira meleca (quem não tira?) ou porque fala sozinho (quem não fala?). A primeira pergunta que me fiz quando minha filha me falou do caso do menino foi: como será que ele está se sentindo? (E tenho certeza de que me questionei isso porque ela estava preocupada sobre como o colega se sentia quando passava por aquelas situações de discriminação). Imagino que ele deve estar sofrendo e penso sobre as consequências que isso tudo poderá acarretar no restante da vida dele. Não sou psicóloga educacional, mas acho que ninguém consegue sair ileso emocionalmente de uma situação desse tipo.
Não sei como as professoras e a equipe pedagógica da escola da minha filha estão lidando com o caso deste menino. Mas gostaria de acreditar que um(a) professor(a) atento(a), que não apenas ensina a resolver equações, a ler e escrever, a história do Brasil, a decomposição dos alimentos ou as regras dos esportes, já teria notado o que está se passando com aquele aluno e tomado alguma atitude. Por outro lado, eu reconheço que não é fácil fazer alguma coisa a respeito. Afinal, qual de nós nunca teve uma atitude discriminatória (às vezes mascarada por uma brincadeira) e não percebeu o que estava fazendo? Então, não é nada simples abordar a discriminação em sala de aula.
Para finalizar, e não falarem que não falei de Ensino de Ciências, deixo como sugestão a leitura de um texto que trata da relação entre o Movimento Eugênico (nunca ouviu falar? Não se envergonhe, eu também desconheci por um bom tempo...) e o ensino de biologia. Existem algumas aproximações com a questão de segregação e discriminação presente tanto neste post, quanto no vídeo. A referência completa e o link para baixá-lo estão aí abaixo.
SCHNEIDER, E. M.; JUSTINA, L. A. D.; MEGLHIORATTI. Eugenia no Brasil: quando um movimento ideológico se justifica por um discurso biológico. In: Atas do VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Campinas, SP: ABRAPEC, 2011. Disponível em: http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1448-2.pdf.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

No Dia do Professor...

... eu desejo que todos nós, professores e professoras, que decidimos seguir nesta bela profissão, acreditemos todos os dias em nosso poder formador e transformador. Minha mensagem para todas/os colegas e companheiras/os de profissão e de luta por uma Educação Brasileira de qualidade e igualdade está representada nas palavras do grande Paulo Freire. 
Parabéns pelo nosso dia! 
Abraço fraterno,
Tatiana Galieta.

"Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor não importa o que. Não posso ser professor a favor simplesmente do homem ou da humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar." Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Democracia, ensino de ciências e, claro, cidadania!

O Estado democrático tem seus governantes eleitos pela população. É o povo que decide quem serão seus representantes nos poderes legislativo e executivo e tais pessoas deveriam tomar decisões em consonância com aquilo que o povo quer e necessita. Acredito que uma das grandes questões no exercício da gestão democrática encontra-se exatamente nesse ponto: uma vez eleitos os políticos não retornam à sociedade para consultá-la sobre as principais decisões que afetam diretamente seus eleitores. Por outro lado, não possuímos no Brasil uma cultura de acordo com a qual estejamos acostumados a cobrar de nossos representantes aquilo o que eles prometeram em suas campanhas ou, simplesmente, tudo o que nos é de direito requisitar (por exemplo, os serviços básicos de saúde e educação que nos são garantidos na própria Constituição Federal).
Então, alguns irão argumentar que há necessidade de se implementar mecanismos pelos quais a população possa ser ouvida diretamente a não ser pelo mecanismo do voto direto, como pelos plebiscitos ou referendos. Há também os que defendam o voto facultativo que retira a obrigatoriedade do cidadão em participar das eleições diretas.
Você deve estar se perguntando porque eu, professora do ensino superior da área de Educação, estou escrevendo sobre isso em um Blog sobre ensino de ciências. Por um simples motivo, caro colega leitor: devido ao meu questionamento interno sobre o que desencadeou a ação violenta da Polícia Militar do Rio de Janeiro na noite de sábado (dia 28 de setembro) na Câmara Municipal e nos dias decorrentes. Professores que ocupavam esse espaço que melhor deveria representar o regime democrático foram covardemente agredidos e postos para fora da casa. As fotos e os vídeos estão por aí na Internet e aqueles que ainda não tiveram oportunidade de vê-los basta dar um rápida busca na rede.

Algumas pessoas tendem a centralizar esta lamentável ocorrência nas figuras de nossos representantes de Estado (Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Dilma Roussef, prefeito, governador e presidente, todos aliados políticos). Concordo que há muito o que debatermos sobre as alianças políticas entre PMDB e PT, sobre a forma com que nossas polícias têm atuado na sociedade (via repressão e violência que fazem com que a população desconfie e tema corporações que deveriam nos proteger) ou sobre as diferentes formas de manifestações populares as quais em algumas ocasiões violaram os direitos de outros cidadãos. Mas, sinceramente, acho que o "xis" da questão não está apenas situado nas tomadas de decisões do Paes ou do Cabral (ambos em seus segundos mandatos, ou seja, a própria população sinalizou que estava satisfeita com seus governos e os reelegeram), em seus mandos e desmandos na cidade e no estado do RJ, em suas licitações, contratos e repasses de verbas que estão aí para aqueles que conseguem ver, verem. Acho que o nó central ainda é a Educação, ou melhor, as táticas quase silenciosas e perversas que o Estado democrático vem adotando para remover da Educação seu papel político e social. Porque, cá entre nós, parece-me óbvio criticar os governos militares sobre suas políticas em relação à Educação. Porém, o esvaziamento e a desvalorização que a Educação brasileira tem assumido dentro do Estado democrático é algo que merece ser analisado com mais atenção. Relações estreitas com o neoliberalismo não são meras coincidências.
Alguns podem voltar a me questionar e me trazerem "ao meu devido lugar": Ok, mas e o que o ensino de ciências tem a ver com isso tudo? Respondo com outra questão: Até quando vamos insistir com essa falácia de que ensinamos ciências para formar cidadãos críticos e plenos na sociedade? Acho que vou arriscar outra: Será que temos claro que projeto de sociedade queremos e que tipo de cidadão pretendemos formar para esta mesma sociedade? 
Afinal, criticidade sem consciência é, parafraseando François Rabelais, somente ruína da alma.