terça-feira, 6 de agosto de 2013

O "velho" discurso oficial sobre a dicotomia teoria e prática na formação de professores

A velha questão da dicotomia entre teoria e prática nos cursos de formação de professores voltou a ser discutida em reportagem da semana passada na Folha de SP (confira aqui). O texto traz considerações importantes que não podem ser ignoradas por formadores de professores, porém gostaria de demarcar alguns pontos que acredito já estarem em pauta há algum tempo na agenda da comunidade acadêmica e que, o próprio Governo, vem negligenciando (sobretudo nas falas de seus representantes).
Um dos primeiros dados trazidos na reportagem é, a princípio, alarmante: "O trabalho apontou que nos cursos de licenciatura do país que formam professores de português e de ciências, a carga horária voltada à docência fica em 10%." A conclusão do Secretário Estadual de Educação de SP, Herman Voorwald, é "as licenciaturas deveriam ter menos conteúdos específicos das matérias e mais técnicas sobre como dar aulas."
Minha pergunta é: a solução para a questão da dicotomia entre "teoria" e "prática" nos cursos de formação de professores é a inserção de disciplinas "mais técnicas sobre como dar aulas"? Não seria esta uma visão retrógrada, altamente tecnicista? Será que alguém aprende a "técnica" sem refletir sobre seus objetivos de ensino, a seleção de conteúdos pertinentes para atingir a esses objetivos e os fatores mais próximos e relevantes de seu próprio alunado?
Por outro lado, o prof. da Faculdade de Educação da USP, Manoel Oriosvaldo, possui uma visão contrária ao discurso do secretário. Segundo ele: "Com o salário que se paga ao professor, é difícil convencer um jovem a assumir uma sala de aula". Além da questão salarial e de condições de trabalho ele diz, especificamente sobre os currículos das licenciaturas, que ao diminuir a parte teórica dos cursos o papel do professor é simplificado. Após anos de estudos consolidados no campo do currículo, após termos importantes filósofos educacionais brasileiros sinalizando a relevância do conceito de "práxis", pergunto-me porque ainda estamos discutindo essa questão. Já não existem diretrizes curriculares nacionais para cursos de licenciatura supostamente atualizadas? Qual o motivo desse imbróglio? A resposta pode ser aparentemente simples, mas tem embutida nela um ponto crucial que parece estar sendo "posta para debaixo do tapete" por quem faz políticas públicas em educação: não basta criar diretrizes curriculares, as relações que se estabelecem na instituição de ensino (neste caso específico, a universidade) acabam sendo as determinantes na organização curricular. Na academia há disputa de poder, de status, de dinheiro, de espaço, de reconhecimento pelos pares etc. Não há como achar ingenuamente que os professores que dão as disciplinas de "conteúdo específico" de uma hora para a outra abrirão mão de seus espaços nas grades curriculares ou que, tampouco, passarão a dialogar com os professores das disciplinas "práticas", de "ensino", "pedagógicas", como preferirem. A questão é muito mais profunda e não diz respeito apenas à boa vontade de coordenadores de licenciaturas. É uma questão política, cultural de cada instituição em particular.
Na reportagem, em referência especificamente a cursos presenciais de licenciatura de Ciências Biológicas mostra-se o seguinte resultado da pesquisa: 65% da carga horária é destinada aos conhecimentos específicos e "apenas"  10,4% são de conhecimentos específicos para a docência. Não há como analisar esses dados sem refletir sobre a história da constituição da licenciatura em Ciências Biológicas e sua relação intrínseca com o bacharelado. Não há como deixar de comentar sobre a marginalização que os professores das disciplinas pedagógicas sofrem em seus departamentos ou faculdades pelos próprios colegas. É, repito, uma questão histórica que não é equacionada em um passe de mágica mas que precisa ser debatida não apenas na esfera acadêmica mas sobretudo em instâncias oficiais nas quais são elaboradas políticas públicas educacionais.
Outro resultado apontado pela pesquisa na reportagem é a antiga formação em parceria entre Faculdades de Educação e "Faculdades Especializadas" (na minha formação, por exemplo, na UFRJ, fui aluna da FE e do Instituto de Biologia). Esse dado está em consonância com o que comentei acima.
Por fim, mas não menos importante, apenas uma observação sobre a citação do Sr. Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, presente logo no início da reportagem: "Não dá para formar um professor só lendo Piaget". Sr. Ministro, não dá para formar professor quando os atuais professores são motivos de chacota em toda a sociedade (até mesmo entre os próprios professores) e tendo sua profissão completamente desvalorizada pelos últimos governos (refiro-me aqui a TODOS os governos brasileiros desde o Golpe Militar). Sr. Ministro, não dá para formar um professor pagando esse piso mínimo de vergonha aos professores atuantes. Sr. Ministro, não dá para formar um professor quando nosso próprio ministro da educação não é um Educador, quando esta figura não reconhece o papel dos museus na formação cultural dos alunos. Sr. Ministro, não dá para formar um professor só com bonitos discursos e belas palavras de políticos que insistem em nos decepcionar com sua trajetória política que em algum momento é posta por água abaixo na corredeira da ética da vida.

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