Quem mora na cidade do Rio de Janeiro viveu e sentiu na pele, ou melhor, pelo nariz, o significado de uma mobilização da classe trabalhadora, neste caso os garis. Após oito dias de greve e chantagens por parte do Prefeito e da falta de representatividade de seu próprio sindicato, os garis conseguiram seu reajuste e demais reivindicações. Por que estou escrevendo sobre isso em um Blog sobre Ensino de Ciências? Porque li no Facebook, no Grupo "Professores do Estado do RJ" o seguinte post de um professor:
"Novo salário-base dos Garis: R$1100,00...meu vencimento (P1 nível 4): 1211,79. Sem mais...".
Ao ler esta frase, que contrastava com o que eu acompanhei nas páginas de vários colegas professores da educação básica e de universidades públicas de todo o país, além de amigos pessoais das mais diversas atuações profissionais que demonstraram seu apoio incondicional à luta dos garis, perguntei-me: o que motivou este professor a realizar esta comparação?
Busco algumas respostas - e conto com a participação (mental ou externalizada dos que quiserem aqui se manifestar) - para esta pergunta expondo apenas dois pontos de vista pessoais:
1) Este professor parece centrar a questão dos movimentos de luta de classes trabalhadoras no aspecto meramente econômico. Este ponto foi bastante enfatizado (pela mídia e pelos próprios governantes) no último movimento grevista dos profissionais da educação da cidade e do estado do Rio de Janeiro no ano passado. Porém, a pauta posta à mesa para discussão pelos professores ia muito além do piso salarial. Ela perpassava questões da ordem de condições de trabalho (para estes e seu alunado), de reconhecimento do mérito da progressão de carreira, do questionamento da meritocracia e da própria valorização da Educação pelo Estado. No caso específico dos garis, profissionais responsáveis pela limpeza de nossa cidade (cidade esta que acaba de lançar há poucos meses uma campanha de "Lixo Zero"), o movimento grevista também não estava centrado meramente no aumento do salário. É claro que este era um ponto central porque estes profissionais estavam sem reajuste há anos com um piso de miséria (cerca de R$800 sem os descontos). Mas havia outras bandeiras, como o aumento do vale alimentação e as tais condições de trabalho que no caso dos garis, convenhamos, são sempre as piores possíveis.
2) Este professor parece estar comparando o "valor" do trabalho de um gari (braçal) e de um professor (intelectual). Afinal, quem é gari? Quem é professor? Qualquer um pode ser (ou quer ser) gari? Qualquer um pode ser (ou quer ser) professor? Não sou gari, sou professora e sou professora por opção. Porque amo o papel de educadora, de formadora de opiniões e de futuros professores da educação básica. Porque acredito que meu trabalho é fundamental para a transformação desta sociedade ainda repressora e pouco democrática. Acredito que a maioria dos garis encarem seu trabalho com seriedade e sentem orgulho de sua profissão. Lembro-me que quando morava no Catumbi, bairro do centro do Rio de Janeiro, passei pelo Sambódromo em um dia em que estava acontecendo as inscrições para a seleção da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) e vi um mar de pessoas. A fila parecia interminável. Então perguntei-me: será que esse povo todo quer ser gari porque não tem opção? Será que este é o único emprego que exige segundo grau completo que seja "fácil" de ser conquistado? Acredito que algumas pessoas estavam lá sim, por desespero, por falta de oportunidade em sua formação profissional específica etc. No entanto, acho que uma parcela daquelas pessoas estavam ali porque não tinham qualquer tipo de preconceito em exercer uma atividade laboral "braçal", atividade esta essencial para manutenção da ordem, da higiene e do funcionamento de uma cidade. Por outro lado, outra imagem que tem circulado no Facebook faz-nos refletir sobre quem são os sujeitos que ocupam o lugar social de "garis" (abaixo).
Acredito que essa reflexão passa por um questionamento mais amplo que diz respeito a própria forma pela qual nossa atual sociedade brasileira, burguesa, pós-moderna e neoliberal encontra-se organizada. Quem e por que está em determinada posição e, portanto, "tem" (logo, "é") alguém nesta sociedade. E, não adianta (re)negar nosso papel de educadores (sendo professores de Ciências sim!) que abrem as portas de nossas salas de aula para esta reflexão e as mentes de nossos alunos e nossas alunas, cidadãos e cidadãs de hoje e de amanhã. Não sejamos omissos.